Homenagem ao deus romano da agricultura mantém-se acesa numa pequena cidade inglesa. Na Saturnália, esqueciam-se os estratos sociais — até os escravos se podiam divertir.
Dezembro é época de várias festas e celebrações em todo o mundo, como o Natal e o Hanukkah, para enumerar as mais conhecidas. Mas há um ritual pagão com mais de 2000 anos que ainda é celebrado numa pequena cidade de Inglaterra.
A Saturnália, com origem na Roma Antiga, ainda é celebrada em Chester, numa comemoração da ligação que a Grã-Bretanha, ocupada pelo Império Romano de 43 a 410 d.C, tem com o seu passado.
Na semana passada, mantendo viva a tradição, as ruas de Chester encheram-se das mesmas imagens, sons e aromas que marcam as festividades da Saturnália no local desde os tempos em que era uma cidade romana chamada Deva Victrix.
O festival presta homenagem a Saturno, o deus romano da agricultura e da colheita, era uma das celebrações mais populares do antigo império. Originalmente o evento só era celebrado no dia 17 de dezembro, mas a sua popularidade fez com que se prolongasse até 23 de dezembro.
Apesar de os romanos viverem com rígidas regras sociais e todos terem o seu lugar na sociedade, durante a Saturnália esqueciam-se essas regras — até pessoas escravizadas podiam participar e divertir-se.
A celebração envolvia — além de excesso de comida e bebida — a troca de presentes, tradições que continuaram quando o feriado foi substituído pelo Natal após a queda do Império Romano.
No entanto, em Chester — que já foi uma cidade importante na antiga província romana da Grã-Bretanha — muitas das tradições sobreviveram até aos tempos modernos.
“Uma oportunidade para lançar o caos no mundo”
Fundada m 79 d.C. como forte militar romano sob o regime do imperador Vespasiano, a cidade do noroeste de Inglaterra, perto de Liverpool, tornou-se mais tarde um importante centro civil chamado Deva Victrix; hoje, as suas muralhas estão entre as mais bem preservadas do país.
“Chester é bem conhecida pela sua herança romana e os moradores locais têm muito orgulho disso”, diz Cellan Harston, gerente de uma empresa de turismo que ajuda a organizar o desfile da Saturnália.
“É importante refletir a história de Chester”, acrescenta, mas manter viva a tradição vai além de preservar a história.
A Saturnália “é uma oportunidade para lançar o caos no mundo”, diz Harston, e a procissão moderna que acontece na cidade é um “espetáculo que representa esse caos”.
“Os soldados romanos que marcham pelo centro da cidade atraem sempre multidões, que se deliciam quando os soldados acendem as suas tochas e partilham a luz distribuindo varinhas fluorescentes”, diz Lisa Denson, política local.
Os soldados da época comemoravam mais o facto de que o festival lhes possibilitava desfrutar de alguns dias de folga, diz Caroline Pudney, professora de arqueologia na Universidade de Chester.
“A festa também envolvia a decoração das casas com folhagens verdes, como grinaldas e ramos, e o acendimento de velas; as Saturnálias eram encerradas com as Sigilárias, quando eram entregues presentes, mais ou menos parecido com o dia de Natal”, afirma.
No entanto, as celebrações modernas da Saturnália não são exatamente como as romanas de antigamente, já que Chester “combina o festival romano com as tradições vibrantes dos desfiles e procissões medievais da cidade”.
Porém, há um momento que liga intrinsecamente o desfile a Roma, quando um ator inicia as atividades com um discurso do imperador Domiciano, que governou na época da Deva Victrix.
“Nós romanos ainda estamos aqui, em algumas épocas do ano vão ver-nos marchar novamente pelo nosso forte”, diz à multidão. “Lembrem-se de quem e do que eu sou. (…) Eu sou a espada do canto na escuridão. Sou o som de uma legião a marchar para a guerra. (…) Eu sou o machado que afunda no vosso crânio. Sou acusador, juiz e carrasco. (…) Eu sou imperador. Eu sou um deus vivo. Eu sou César. Eu sou Roma.”
ZAP // BBC