Desde testemunhas da consumação do casamento na noite de núpcias até divórcios decididos por combate, passando pela criação de um cargo de um funcionário que ajudava o rei a ir à casa de banho, há muitos costumes medievais que nos parecem estranhos nos dias de hoje.
O nosso estilo de vida e os nossos costumes mudaram muito desde a Idade Média. Se é compreensível que a falta de conhecimento científico na altura tenha inspirado várias superstições que agora nos parecem ridículas, há algumas prácticas medievais são apenas sádicas. Os costumes sociais também roçavam frequentemente o bizarro, como lembra o All That’s Interesting.
Furar o crânio para o cérebro “respirar”
Quem nunca ouviu dizer que apanhar ar faz bem à saúde? Os médicos medievais também acreditavam neste ditado — talvez em demasia.
Um dos seus hábitos mais bizarros era o entusiasmo pela trepanação. Inúmeras maleitas, desde meras dores de cabeça ou convulsões e passando por pessoas possuídas por espíritos ou epilepsia, eram curadas com este método, que consiste em furar o crânio em vários locais para o cérebro poder “respirar” e “apanhar ar fresco”.
A abertura dos buracos era feita com rochas, ferramentas de madeira ou brocas. Há quem diga que a trepanação foi mesmo o primeiro procedimento médico da História, tendo nascido já no período Neolítico e sendo particularmente popular na América do Sul. A práctica foi descoberta por um diplomata americano que encontrou um crânio trepanado no Peru por volta de 1860.
Divórcios decididos por combate
O divórcio nunca é uma experiência agradável, mas era bastante mais custosa na Idade Média do que é hoje em dia. Em vez do martelo de um juiz, o que decidia a separação era antes as espadas ou lanças usadas no combate entre o casal.
Esta práctica estranha foi documentada pela primeira vez pelo mestre de esgrima alemão Hans Talhoffer num manuscrito de 1467, onde este explicava as regras do combate entre cônjuges.
Segundo as regras expostas no livro, o homem era colocado num buraco de um metro de profundidade, com uma mão amarrada atrás das costas, enquanto a mulher podia mover-se livremente. Ambos usavam um fato de uma só peça com pernas de estribo.
A mulher tinha três pedras, envoltas em tecido, que formavam uma espécie de taco. O homem tinha acesso a três tacos normais, mas não podia sair do buraco e, caso tocasse na parede, tinha de entregar um dos seus tacos. Se a mulher o atacasse enquanto ele entregava o equipamento, ela perdia uma das pedras.
As regras colocavam o homem em desvantagem para haver um equilíbrio na situação, já que era pouco provável que a mulher tivesse recebido qualquer tipo de treino de combate e porque as mulheres são geralmente fisicamente mais fracas.
A ideia de resolver julgamentos por combate não é nova, mas só mais recentemente é que se descobriu que a práctica também era usada para o divórcio. Os historiadores acreditam que seriam raros os casos em que as lutas só terminassem com a morte de um dos combatentes e consideram antes que havia um grupo de juízes que decidia quem era o vencedor.
Hemorroidas eram queimadas com ferros quentes
Se fazer furos no crânio era a cura para muitas doenças, as hemorroidas tinham um tratamento diferente — eram queimadas com ferros que tinham um brilho vermelho de tão quentes que estavam. Havia ainda um método alternativo em que os médicos usavam as suas unhas sujas para rasparem as veias inchadas.
Os pacientes medievais com hemorroidas sofriam da “maldição de São Fiacre“, um padre que se tornou o santo padroeiro para estes doentes porque, reza a lenda, também sofria de hemorroidas e curou-as após se sentar numa pedra e rezar.
Hoje em dia, os médicos recomendam que os pacientes não se sentem directamente nas veias inchadas, mas na altura os clínicos recomendavam que os doentes seguissem o exemplo de São Fiacre. Em muitos dos casos, sentar e rezar não resultava ou até agravava a situação, e como tempos desesperados exigem medidas desesperadas, os clínicos acabavam por recorrer a métodos mais agressivos.
Gastronomia peculiar
Os europeus da Idade Média eram adeptos de muitos pratos que nos tempos actuais não teriam tanto sucesso. Desde caudas de castor, fetos de coelhos, entranhas de cisne picadas ou gatos assados, há várias receitas medievais populares que agora nos dão a volta ao estômago.
Muitos destes hábitos alimentares foram um resultado dos dogmas cristãos, que obrigavam a população a recorrer a alternativas bizarras. As escrituras exigiam que os crentes fizessem jejum às quartas-feiras para honrarem o dia em que Judas traiu Cristo, às sextas-feiras para assinalarem o sofrimento de Deus e aos sábados para fazerem um tributo à Virgem Maria.
Esta disciplina religiosa impunha que os crentes não comessem quaisquer animais terrestres que morreram durante o dilúvio bíblico, à excepção dos peixes, o que obrigava a população a ter de comer outros animais.
Ajudar o rei a ir à casa de banho
Um dos empregos mais inusitados na Idade Média era ser o responsável por transportar a sanita portátil do rei e registar detalhadamente todas as vezes que o monarca se “aliviava”.
Mais estranho ainda, este cargo de “mordomo da sanita” era altamente cobiçado devido à garantia de proximidade ao rei, que ajudava os funcionários a tornarem-se confidentes dos chefes de Estado e possivelmente receber terras ou fortunas. O posto surgiu por necessidade, já que muitas vezes os reis precisavam de ajuda para retirarem as suas roupas luxuosas antes de irem à casa de banho.
Os académicos ainda não sabem se o funcionário só entregava um tecido ao rei para se limpar ou se verdadeiramente lhe limpava o rabo.
Testemunhas na noite de núpcias
Na Idade Média, os recém-casados não tinham privacidade na hora de consumarem o matrimónio, já que era comum que os convidados acompanhassem o casal para o quarto. Este hábito servia para simbolizar o envolvimento no sucesso do casamento.
O costume começava com um padre a abençoar a cama enquanto o casal bebia vinho. Quando este ritual terminava, as cortinas em torno da cama eram fechadas e o casal consumava a união. No entanto, há registos que indicam que até o acto sexual era testemunhado pelos convidados.
A realeza não estava imune desta tradição, já que os nobres e a igreja queriam garantir que o casal estava a tentar dar herdeiros à coroa. A tradição começou a perder popularidade no século XVII.
Julgamentos de animais
Os criminosos humanos não eram os únicos a enfrentar a justiça implacável da altura. Apesar de não terem consciência dos seus actos, os animais também podiam ser julgados e condenados por crimes.
Um dos casos mais conhecidos foi a morte de um menino de cinco anos em 1457 em França, que foi atacado por uma porca e os seus seis leitões. Os habitantes da aldeia organizaram um julgamento para os animais, com oito testemunhas, dois procuradores, um juiz e até um advogado de defesa para os porcos.
Os testemunhos danosos acabaram por ditar a condenação da porca, que acabou por ser enforcada. Os leitões, por sua vez, foram ilibados devido à sua tenra idade, que os tornou inimputáveis.