Uma das maiores fraudes científicas, feita de crânios humanos, mandíbula de orangotango e dentes de chimpanzé, acaba de ganhar a cara que nunca teve.
O Homem de Piltdown, provavelmente a fraude arqueológica mais notória de sempre, acaba de ganhar o rosto que nunca teve graças ao artista 3D brasileiro Cícero Moraes, que realizou mais uma das suas reconstruções faciais.
O fóssil deste hominídeo, tido como verdadeiro durante décadas, é uma espécie de elo perdido que combinava características de humanos e primatas mas que, afinal, não passava de uma mistura de ossos manipulados.
E o seu manipulador foi o advogado Charles Dawson, que contactou o Museu de História Natural de Londres em 1912 com uma história bem pensada.
Carregando consigo fragmentos de crânio, mandíbula e dentes — que disse ter escavado em Piltdown, uma cidade no sul de Inglaterra — o geólogo amador afirmou ter uma prova do elo perdido na evolução dos primatas até aos humanos e conseguiu mesmo convencer o curador de geologia da instituição, Arthur Smith Woodward.
Woodward concluiu, com base na coloração dos supostos restos de hominídeo, que os restos mortais estariam a mineralizar há cerca de meio milhão de anos. Com Dawsona seu lado, apresentou o Homem de Piltdown num encontro da Sociedade Geológica em dezembro de 1912, dando-lhe o nome científico Eoanthropus dawsoni.
A fraude de Piltdown, desvendada
Com a apresentação, Dawson e Woodward ficaram famosos, mas muitos paleontólogos já desconfiavam de algo desde o início: repararam em semelhanças dos ossos com restos de chimpanzés, por exemplo.
Apesar das dúvidas, o espécime continuou a ser maioritariamente aceite até 1953, quando um artigo da revista TIME provou a fraude ao mostrar que o crânio era uma mistura que incluía fragmentos de crânios humanos, mandíbula de orangotango e dentes de chimpanzé.
Charles Dawson, por essa altura, já tinha falecido há décadas, em 1916, mas acredita-se que a motivação do impostor tenha sido o seu desejo de entrar para a Royal Society, uma sociedade científica prestigiada do Reino Unido, visto que os seus esforços anteriores não tinham tido grande sucesso.
Décadas mais tarde, em 2016, cientistas retomaram o estudo da falsificação e descobriram como é que Dawson alterou os componentes do crânio fabricado para que não fossem descobertos à primeira vista. Os ossos foram, por exemplo, manchados com uma solução ferrosa para parecerem mais velhos do que eram.
A recriação do Homem que não existiu
Após várias análises, Cícero Moraes e a sua equipa — que já fez recriações como a da face de Tutancámon — recriaram a aparência do Homem de Piltdown — ou melhor, imaginaram como este seria se tivesse sido um ancestral verdadeiro dos humanos modernos.
Para tal, foram usadas digitalizações dos crânios de humanos, orangotangos-de-bornéu (Pongo pygmaeus, a espécie usada na fraude) e chimpanzés (Pan troglodytes), segundo o estudo publicado na Royal Society.
Marcadores de tecido mole humano foram distorcidos e adaptados para combinar com as proporções cranianas do E. dawsoni, e, como habitual, foram geradas duas versões da recriação facial — uma a preto e branco, com a aparência “cientificamente precisa” do espécime, e outra com a licença artística de Moraes que inclui tom de pele, cabelos, barba e expressão.
Cícero já tinha conduzido, em novembro, a recriação da fantástica espécie humana Homo longi, também conhecida como “Homem Dragão”, o parente evolutivo mais próximo do Homo sapiens — deu-lhe uma cara… bastante amigável.
Agora, já sabemos como seria a curiosa face de uma espécie de homem-macaco inexistente, num mundo fantasioso com meio milhão de anos.
ZAP // CanalTech