Em 1911, Einstein escreveu uma carta a Marie Curie com conselhos para lidar com os haters e os trolls

(dr)

Albert Einstein, Prémio Nobel da Física em 1921

O físico alemão manifestou a sua solidariedade com a colega, que estava a ser atacada na imprensa devido à sua relação amorosa com Paul Langevin.

Os trolls não são um problema novo que surgiu com a internet. Em 1911, os haters já andavam a fazer das suas, apesar de não serem descritos nestes termos modernos.

Um dos alvos dos trolls foi a famosa cientista polaca Marie Curie, uma das maiores contribuidoras para o estudo da radioatividade e a primeira mulher a vencer um prémio Nobel, que conquistou em 1903 juntamente com o marido, Pierre.

Ser cientista — ou trabalhar no geral, na verdade — não era encarado com um caminho adequado para as mulheres no início do século XX, com Marie Curie a ter de enfrentar muito sexismo para vingar no mundo da ciência. Juntando-se ainda o facto de ser estrangeira e os rumores de que era judia numa França ainda no rescaldo do caso Dreyfuss, assim se criou um cocktail venenoso de preconceitos.

Mas não era só o seu trabalho enquanto física que era posto em causa. Em 1911, Curie viu-se a braços com uma polémica em torno da sua vida pessoal. Após Pierre morrer atropelado em 1906, Marie ficou devastada e fez o luto do marido e parceiro de investigação durante anos.

Em 1910, a cientista encontrou algum conforto nos braços de Paul Langevin, um protegido de Pierre e jovem professor de Física. Langevin ainda estava casado legalmente, mas não vivia com a esposa, que o abusava fisicamente. Com o passar do tempo, Marie e Paul aproximaram-se e tornaram-se amantes.

Enraivecida com a situação, a esposa de Langevin contratou uma pessoa para arrombar o apartamento onde os dois se encontravam e roubar as cartas de amor que trocavam, que foram depois vendidas aos jornais. A imprensa arrasou Marie Curie, com muita xenofobia e anti-semitismo à mistura, descrevendo a cientista como uma “estrangeira judia destruidora de lares“.

Depois de regressar de uma conferência em Bruxelas, onde conheceu Albert Einstein, Curie tinha até uma multidão de críticos a protestar à porta da sua casa em Paris, tendo sido obrigada a mudar-se com as filhas para a casa de um amigo da sua família.

Quando soube do escândalo, Einstein decidiu manifestar a sua solidariedade com a colega, que considerava ser uma “pessoa honesta e sem pretensão” e com uma “inteligência brilhante”.

A 23 de Novembro de 1911, em Praga, o cientista alemão escreveu uma carta endereçada a Marie Curie com uma mensagem simples — haters gonna hate, ou alternativamente, de acordo com o termo preferido por Einstein, reptiles gonna reptile. O físico aconselha ainda a amiga a não ler os “disparates” dos tablóides.

Aqui fica a carta na íntegra:

Altamente estimada Sra. Curie,

Não se ria de mim por lhe escrever sem ter algo sensato para dizer. Mas estou tão zangado com a forma vil como a opinião pública está presentemente a ousar preocupar-se consigo que devo absolutamente libertar este sentimento. No entanto, estou convencido de que despreza consistentemente esta ralé, quando ela obsequiosamente esbanja respeito por si ou quando tenta saciar a sua ânsia pelo sensacionalismo! Estou impelido a dizer-lhe o quanto admiro o seu intelecto, a sua ambição e a sua honestidade e que me considero sortudo por a ter conhecido pessoalmente em Bruxelas. Qualquer pessoa que não seja um destes répteis estará certamente feliz, agora tal como anteriormente, de ter pessoas entre nós como a senhora, e Langevin também, pessoas verdadeiras com as quais temos o privilégio de contactar. Se a ralé se continuar a ocupar consigo, então simplesmente não leia esses disparates, deixe isso para os répteis para quem foram fabricados.

Com os cumprimentos mais amigáveis para si, Langevin e Perrin, sinceramente,

A. Einstein

Adriana Peixoto, ZAP //

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