Os egípcios começaram a votar esta terça-feira num referendo para decidir sobre a nova Constituição do país, como parte de um programa estabelecido pelo Exército após o golpe de Estado que derrubou o presidente islamita Mohamed Morsi, em julho do ano passado.
Mais de 52,7 milhões de eleitores estão hoje e quarta-feira convocados para votarem o novo texto. Para garantir alta participação, egípcios poderão votar em qualquer zona eleitoral, independente de onde estiverem registados – o que também levantou temores sobre fraudes.
Todas as previsões indicam que o novo texto será plebiscitado por uma clara maioria, fornecendo por fim uma “base legal” ao executivo de transição e abrindo o caminho para novas legislativas e presidenciais que deverão decorrer até final de 2014 num país com cerca de 85 milhões de habitantes, o mais populoso do mundo árabe.
Uma grande operação de segurança está em andamento para proteger as mesas de voto e os eleitores contra possíveis ataques de militantes leais a Morsi. Pouco antes das urnas serem abertas, houve uma explosão perto de um tribunal no Cairo. A explosão danificou o edifício, mas não deixou nenhum ferido.
Referendo sobre Sisi
Uma sondagem divulgada na semana passada apontou que 76% dos entrevistados planeavam participar do referendo. Destes, 74% votariam “sim”, 3% optariam pelo “não” e 23% estavam indecisos, segundo o levantamento do instituto Baseera realizado em dezembro e divulgado pelo site estatal Al-Ahram.
O estudo apontou que egípcios deverão aprovar a nova Constituição mesmo desconhecendo o seu conteúdo: entre os entrevistados, 59% disseram não ter lido nenhum excerto, enquanto 36% relataram terem lido apenas partes do texto.
Uma vitória confortável do “sim” dará legitimidade ao regime liderado por Abdel Fattah al-Sisi, anterior ministro da Defesa, e impulso à sua candidatura à Presidência, que já é dada como certa pela imprensa local, fortemente pró-militares, segundo analistas.
O popular general, de 59 anos, é visto pela maioria dos egípcios como o único capaz de tirar o Egipto do caos vivido desde a revolução de 2011 e que se acentuou nos meses após a queda de Morsi, primeiro presidente democraticamente eleito do Egipto. Mais de mil pessoas morreram em confrontos que se tornaram rotina nas ruas do país desde julho.
Sisi, no entanto, mantém mistério sobre uma eventual candidatura. No fim de semana, ele instou a população a comparecer em massa às urnas e disse que poderá concorrer se houver clamor popular.
“O referendo é essencialmente nas medidas que foram tomadas desde 30 de junho”, disse Gamal Soltan, professor de Ciência Política da Universidade Americana do Cairo (AUC), referindo-se ao dia em que milhares de egípcios foram às ruas exigindo a saída de Morsi. “Em geral, [o referendo] será interpretado desta maneira: o voto ‘Sim’ será um voto às políticas e aos líderes construídos por Sisi“.
Onde está o ‘não’?
A maioria dos partidos egípcios posicionou-se em linha com o governo, fazendo campanha pela aprovação do texto – inclusive o grupo dos ultrarreligiosos salafistas, antigos aliados de Morsi.
À exceção de mensagens rabiscadas em alguns poucos muros, a campanha pelo “não” é quase inexistente.
Sete membros de um partido foram detidos nos últimos dias no Cairo com panfletos contrários à nova Constituição. O partido deixou de realizar eventos públicos por temores quanto à segurança, segundo a imprensa local, e acusou autoridades de repressão.
Outros grupos também anunciaram oposição, mas é raro vê-los nas ruas, em parte devido ao medo de novas prisões, diante da nova lei que praticamente proíbe qualquer aglomeração sem prévia autorização oficial.
Na imprensa, a defesa pela aprovação do novo texto é quase unânime.
A repressão aos opositores soma-se à ofensiva lançada pelo governo contra membros da Irmandade Muçulmana, e à detenção de jornalistas e de renomados ativistas críticos ao governo. A Irmandade anunciou que boicotará à votação. O grupo foi considerado organização terrorista pelo governo egípcio no mês passado, numa decisão de “motivação política”, segundo o grupo de defesa de direitos humanos Human Rights Watch (HRW).
“Temos grandes preocupações sobre o ambiente político polarizado nos últimos meses, que viu milhares de pessoas sendo presas por exercerem o direito básico de associação livre, expressão e assembleia… num ambiente no qual o estado policial está, cada vez mais, mirando a oposição”, disse à BBC Brasil um representante da HRW no Cairo, que pediu anonimato devido às condições de segurança.
ZAP / Lusa / AE / BBC