Um novo estudo acaba de identificar a verdadeira causa do “Objeto Sísmico Não Identificado” que em setembro de 2023 fez a Terra tremer a cada minuto e meio.
Durante nove dias, em setembro de 2023, o mundo foi abalado por ondas sísmicas misteriosas que foram detetadas globalmente a cada 90 segundos. A Terra voltou a tremer no mês seguinte com um sinal global idêntico, embora fosse mais curto e menos intenso.
Perplexos com as anomalias, os investigadores apelidaram-no de “Objeto Sísmico Não Identificado“.
Num estudo publicado em 2024, uma equipa de investigadores sugeriu que este fenómeno teria sido por deslizamentos de terra massivos que ocorreram no fiorde a 16 de setembro e 11 de outubro de 2023, que teriam causado um tsunami com 200 metros de altura — que ninguém viu.
Num novo estudo, publicado esta terça-feira na revista Nature Communications., cientistas da Universidade de Oxford, no Reino Unido, sugerem agora uma nova explicação para o evento.
De acordo com os autores do estudo, este evento literalmente sísmico foi causado por dois mega-tsunamis no Fiorde de Dickson, uma enseada estreita no leste da Gronelândia, que foram desencadeados pelos efeitos das alterações climáticas provocadas pelo homem.
O estudo é o primeiro a detetar diretamente as chamadas “seichas”, elusivas ondas estacionárias que normalmente se geram em estuários e outros corpos de água confinados, que essencialmente fizeram a Terra soar como um sino gigante.
“Estas seichas foram desencadeadas por megatsunamis, eles próprios causados por enormes deslizamentos de terra que mergulharam no fiorde“, explica Thomas Monahan, investigador da U.Oxford e primeiro autor do estudo, à 404 Media.
“Os deslizamentos de terra foram causados por um glaciar que tem vindo a afinar-se continuamente devido às alterações climáticas”, acrescenta o investigador .
Mas como é que dois megatsunamis podem fazer com que toda a Terra trema a cada 90 segundos?
“O que tornou este evento extraordinariamente poderoso, e detetável globalmente, foi a geometria do fiorde“, detalha Monahan. “Uma curva acentuada perto da saída do fiorde aprisionou a seicha, permitindo-lhe reverberar durante dias”.
“Os impactos repetidos da água contra as paredes do fiorde atuaram como um martelo a bater na crosta terrestre, criando ondas sísmicas de longo período que se propagaram por todo o globo”, acrescenta o investigador. “Esta combinação invulgar de escala, duração e geometria tornou o sinal sísmico destes eventos regionais suficientemente forte para ser detetado mundialmente“.
Pode parecer estranho que um evento com impactos tão globais tenha sido tão difícil de detetar nos dados observacionais.
Com efeito, um navio militar dinamarquês estava a fazer um levantamento do fiorde durante o evento de setembro e nem sequer notou as ondas que abalavam a Terra nas suas profundezas.
Mas o momento dos dois deslizamentos de terra coincidiu perfeitamente com os sinais, levando a estudos que sugeriam uma ligação.
Monahan estava de férias quando leu sobre os estudos, e ficou imediatamente intrigado. Ele e os colegas tinham estado a trabalhar com observações do satélite Surface Water and Ocean Topography (SWOT), missão lançada para o espaço em 2022 que tinha precisamente o necessário para localizar as ondas misteriosas.
“O SWOT fornece medições bidimensionais de alta resolução da altura da superfície do mar, mesmo em águas costeiras estreitas e interiores como fiordes”, diz Monahan. “Quando li sobre a teoria da seicha, percebi que poderíamos realmente ter tanto os dados como as ferramentas necessárias para testá-la.”
Monahan et al / Nature

“Encontrar a ‘seicha no fiorde’ foi super emocionante, mas acabou por ser a parte fácil—eu sabia onde procurar”, acrescenta. “O verdadeiro desafio foi provar que o que vimos era, de facto, uma seicha e não outra coisa qualquer“.
A equipa descartou meticulosamente outros possíveis fenómenos oceanográficos e concentrou-se no tamanho e impacto da seicha.
Os resultados do estudo sugerem que a seicha de setembro tinha inicialmente 7,9 metros de altura, o que libertou uma enorme força de aproximadamente 500 Giga Newtons contra a parede do fiorde, enviando ondulações que foram sentidas por todo o globo.
Os deslizamentos de terra que desencadearam toda esta ruidosa agitação foram libertados pela deterioração de um glaciar sem nome perto do fiorde.
As camadas de gelo e os glaciares da Gronelândia estão a derreter a um ritmo acelerado devido às alterações climáticas causadas pelo homem, tornando a ilha o maior contribuinte para a subida do nível do mar em todo o mundo.
“A deterioração progressiva do glaciar que levou a esta falha é quase certamente uma consequência das alterações climáticas antropogénicas“, diz Monahan.
“Se veremos mais sinais sísmicos como estes é mais difícil de dizer. Os sinais, e os seiches que os produziram,foram invulgares, impulsionados em parte pela geometria única do fiorde, que permitiu que as ondas estacionárias se formassem e persistissem”, nota o investigador.
“Neste sentido, os sinais sísmicos atuaram como uma espécie de canário na mina de carvão, apontando para a ocorrência dos tsunamis e a instabilidade glaciar subjacente que os causou”, conclui Monahan.