Governo hipotético discutido no Facebook usado como prova contra ativistas angolanos

O julgamento dos 17 ativistas angolanos acusados de prepararem uma rebelião tem início marcado para esta segunda-feira, mas entre as provas da alegada conspiração – às quais os advogados não tiveram acesso – estão factos como uma simples discussão aberta nas redes sociais.

Os advogados dos ativistas presos foram impedidos de consultar o processo “por ordens superiores”, apesar do início do julgamento marcado para esta segunda-feira, em Luanda. A defesa fica, assim, limitada ao despacho de pronúncia do Tribunal Provincial de Luanda.

O Público refere que uma das provas contra os ativistas detidos desde junho, acusados de tentativa de rebelião, é uma discussão no Facebook sobre a composição de um Governo hipotético de salvação nacional.

O site angolano Club-k já tinha noticiado, em junho, que a PGR retomara a conversa para a apresentar como sendo da autoria dos “revús”, os ativistas do Movimento Revolucionário, por supostamente ter sido encontrada entre os documentos apreendidos quando foram detidos.

“Formaram complô para destituir e substituir, por pessoas da conveniência do grupo, os titulares dos órgãos de soberania do Estado angolano, mormente o Presidente da República ao qual apelidaram de ditador”, escreveu o juiz Januário Domingos num despacho de pronúncia do Tribunal Provincial de Luanda, de 15 de outubro.

Na conversa, ocorrida em maio – um mês antes das detenções dos 15 ativistas -, uma lista com nomes e cargos foi lançada no Facebook por Albano Pedro, um advogado e professor de Direito de Luanda, e discutida abertamente.

“Se tivéssemos que indicar nomes para liderar um Governo de Salvação Nacional em caso de crise política superveniente, quem reuniria consenso entre os angolanos?”, escreveu no primeiro post, citado pelo Público.

O Executivo teria como Presidente da República interino José Kalupeteka, líder de um grupo milenarista dissidente da Igreja Adventista do Sétimo Dia.

O rapper Luaty Beirão, que durante 36 dias fez greve de fome, seria o Procurador-Geral da República.

Uma versão da lista “estruturada e atualizada” no Facebook do “governo de salvação nacional” foi encontrada, de acordo com a acusação, num ficheiro no computador de Afonso Matias, conhecido como Mbanza Hamza, um dos detidos há quase cinco meses.

No entanto, o próprio Mbanza Hanza, o único dos detidos que participou na discussão, não levou a lista a sério quando se deparou com a proposta de governo na rede social. “Nunca antes o Albano me fez rir como agora. Inicialmente me pareceu uma brincadeira, mas à medida que fui descendo no debate fui notando que é sério mesmo”, cita o jornal.

Luís Nascimento, advogado de defesa de 12 dos 15 arguidos, considera que os detidos “não podem ser acusados de factos que não criaram”.

O advogado – que afirma não ter sido ouvido em momento algum da instrução do processo – disse ao jornal que teve uma “surpresa extraordinária” quando soube que a lista se tinha tornado elemento de acusação contra os ativistas. “Não posso crer que um debate público possa ser tomado como prova”, afirmou. “Uma conspiração não ocorre num debate público.”

“Temos o testemunho do autor daquela brincadeira pública. Não se pode transformar uma coisa a que não se deu importância. Não há seriedade naquilo. É uma coisa como no Inimigo Público”, defende, referindo-se ao suplemento satírico do jornal.

ZAP