O direito à greve é o próximo alvo a abater para o Supremo dos EUA

Fred Schilling / Collection of the Supreme Court of the United States

Um processo que está a ser ouvido pelo Supremo abre a porta à possibilidade de os empregadores poderem processar os sindicatos pelos prejuízos causados pelas greves.

O direito à greve é uma das maiores conquistas da história das lutas laborais. Mas este direito pode ter os dias contados nos Estados Unidos.

O Supremo Tribunal dos EUA, que é controlado por uma maioria conservadora de seis juízes, ouviu na semana passada os argumentos orais no processo Glacier Northwest, Inc. v. International Brotherhood of Teamsters Local Union 174.

Caso o Supremo dê razão ao empregador, criará um precedente que ameaça levar a que o direito à greve sofra uma erosão significativa, já que abrirá a porta à possibilidade dos patrões puderem processar os trabalhadores pelos prejuízos gerados pelas paralisações.

Este processo surge ainda numa altura em que o aumento do custo de vida tem dado um novo fôlego aos sindicatos, que exigem subidas salariais ao ritmo da inflação.Em 2022, cerca de 200 mil americanos fizeram greve — o ano com o maior número de grevistas desde 2005.

O sector ferroviário tem sido um dos exemplos mais agitados e até o próprio Joe Biden se envolveu no esforço para travar uma greve.

Neste contexto agitado, surge o braço de ferro entre a Glacier Northwest e os seus trabalhadores. Em causa está uma greve dos camionistas que conduzem os camiões de mistura de cimento da empresa em 2017.

O sindicato ordenou aos trabalhadores que levassem os camiões de volta para as instalações da empresa e que deixassem os tambores a girar de forma a que o cimento se estragasse e não pudesse ser usado.

A empresa demorou na remoção do cimento molhado e algum deste já tinha secado, tornando-se inutilizável. A greve acabou por durar apenas uma semana, no entanto, a empresa apresentou uma queixa contra o sindicato devido aos prejuízos causados pela destruição do cimento, relata o The American Prospect.

O processo arrastou-se nos tribunais estaduais de Washington durante vários anos. Uma das razões para estes sucessivos atrasos foi a troca de advogados por parte da Glacier Northwest, que contratou a firma Jones Day, uma aliada de longa data dos Republicanos para a sua defesa.

Esta escolha pode não ter sido por acaso, já que um dos sócios da Jones Day é Don McGahn, um ex-conselheiro de Donald Trump que foi fundamental nas escolhas do ex-Presidente dos três juízes conservadores que este nomeou para o Supremo — Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett.

O Supremo Tribunal de Washington acabou por deixar a queixa cair em Dezembro de 2021, decidindo que compete ao Conselho Nacional de Relações Laborais deliberar sobre este tipo de disputas laborais.

A empresa recorreu da decisão para o Supremo Tribunal dos EUA, alegando que os danos económicos causados pela destruição do cimento tornam este caso uma excepção que não está abrangida pelo Acto Nacional de Relações Laborais — a lei que protege o direito à greve, excepto em situações em que há vandalismo ou violência por parte dos trabalhadores.

A Glacier argumenta que o sindicato sabia que o cimento se poderia estragar e, de acordo com o advogado Darin Dalmat, o Supremo nunca se pronunciou sobre se as empresas têm o direito de processar sindicatos que convoquem greves que levem à destruição de mercadorias perecíveis e se este tipo de destruição deliberada pode ser equivalente a vandalismo.

Durante os argumentos orais, os juízes conservadores Samuel Alito e Brett Kavanaugh não se pronunciaram e os juízes Neil Gorsuch e Clarence Thomas fizeram poucas perguntas. Isto pode indicar que pelo menos quatro dos seis juízes conservadores do Supremo já sabem para que lado vão votar.

“É como taxar o direito à greve”

No meio de isto tudo está ainda Joe Biden. O Presidente dos Estados Unidos têm fama de ser defensor dos direitos dos trabalhadores, mas por estes dias parece ter mais fama do que proveito.

A administração adoptou uma postura ambígua entre a empresa e o sindicato. Os trabalhadores argumentam que o Supremo não se deve pronunciar sobre este caso e que deve segurar a decisão da instância anterior, enviando a disputa para o Conselho Nacional de Relações Laborais.

No entanto, a Casa Branca aceita o argumento da Glacier de que os trabalhadores não cumpriram a sua obrigação de “adoptar precauções razoáveis para proteger a propriedade dos empregadores de danos previsíveis e iminentes que podiam ser causados pela cessação abrupta do trabalho”. “O Acto não protege esta conduta”, defende a administração.

O processo não está livre de críticas. “Isto é como deixar os empregadores cobrar um imposto sobre o direito à greve“, defende Sharon Block, directora do Programa de Trabalho e Vida Profissional na faculdade de Direito da Universidade de Harvard.

Desde a aprovação da lei que garante o direito à greve em 1935, “há casos que surgem que redefinem os termos, isso mexe com o equilíbrio de poder entre os trabalhadores e o capital — quase sempre tirando poder aos sindicatos e reforçando o dos empregadores”, frisa Eric Dirnbach, um organizador laboral, à CBS.

As recentes decisões controversas do Supremo Tribunal dos EUA, especialmente a reversão histórica do direito ao aborto, têm feito mossa na sua popularidade e na sua legitimidade, com os críticos a apontar que a linha entre a justiça e a política está cada vez mais desfocada.

Para além do aborto, vários outros temas controversos, como o casamento gay, o acesso aos contraceptivos, o perdão de dívida estudantil ou a organização de eleições federais, também têm estado na mira do Supremo.

Uma recente sondagem do instituto Gallup concluiu que 58% dos norte-americanos desaprovam o trabalho recente do Supremo dos EUA — a taxa de reprovação mais alta desde o início destes inquéritos em 2000.

Adriana Peixoto, ZAP //

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