Desilusão popular leva extrema-direita a provável vitória no Chile

Biblioteca del Congreso Nacional de Chile / Wikipedia

José Antonio Kast, líder do Partido Republicano do Chile

A analista política chilena Julieta Suárez-Cao considera que a desilusão com a política tradicional acelera o risco de uma vitória da extrema-direita, alinhada com a ditadura de Augusto Pinochet.

“Há uma extrema-esquerda, mas é muito pequena e não tem caudal de votação”, afirmou, em entrevista à Lusa, a investigadora da Universidade Católica do Chile Julieta Suárez-Cao.

“Penso que o Chile é mais parecido com os Estados Unidos, onde o que aconteceu foi a radicalização de um setor da direita, e não há uma polarização igual de ambos os lados, não são simétricos”, acrescenta a investigadora.

Os académicos consideram este fenómeno uma “polarização assimétrica, um extremo que se radicaliza e do outro lado não há algo semelhante com o mesmo peso eleitoral”, afirmou Julieta Suares-Cao, considerando que este fenómeno é comum a muitos países, em particular na América Latina, com a ascensão da extrema-direita na Argentina, recentemente, e, anteriormente, no Brasil.

O Chile, considera a investigadora, vive hoje um “momento muito estranho e parece que, 50 anos após o golpe de 1973, estamos mais atrasados do que aos 40 anos após o golpe”.

As sondagens apontam para a vitória nas próximas eleições do Partido Republicano, de extrema-direita, que é liderado por José Antonio Kast, político de uma família associada a um dos massacres executados por Pinochet, na década de 1970.

O atual governo, liderado por Gabriel Boric, é uma frente ampla que junta vários partidos de esquerda e de centro criada no contexto do debate da revisão constitucional do país.

Para Suárez-Cao, o impacto de uma vitória da extrema-direita será mais sentido na população do que na organização do país. “O Estado chileno é o Estado da Constituição de Pinochet, portanto bastante neoliberal, e qualquer impacto da extrema-direita não seria tão forte como noutros países”, afirmou a analista.

“Estou mais preocupada não tanto com o Estado, mas com as políticas públicas destinadas a grupos historicamente desfavorecidos: mulheres, dissidentes, pessoas com deficiência, povos indígenas”, disse, confiando que o sistema democrático resista ao assalto deste populismo, à semelhança dos EUA ou do Brasil.

“Penso que no Chile o Estado é pequeno e bastante eficiente, e tem uma capacidade relativamente boa para os padrões latino-americanos”, resumiu.

Devido à alteração da constituição em curso, não é clara a duração do mandato presidencial que deveria ser de quatro anos, nem se é possível uma recandidatura de Gabriel Boric. Em 2021, Boric derrotou Kast por 11 pontos percentuais.

No caso do Chile, a extrema-direita afirma-se herdeira do regime de Pinochet, mobilizando o discurso antigovernamental e atraindo eleitorado da direita tradicional que, durante anos, se tentou demarcar da ditadura.

“Embora a direita seja herdeira do regime militar, desde há dez anos que estava a tentar distanciar-se, com uma atitude mais crítica”, mas “o surgimento mais forte da ultra direita pressiona o que seria a direita mais convencional a assumir essa herança” e a encontrar formas de “justificar o golpe” de 1973, explicou Suaréz Cao.

Este discurso, afirma a analista, gera uma reação muito forte de “pessoas que dizem que a ditadura não é justificável em nenhum contexto e que os direitos humanos devem ser sempre salvaguardados”.

“Qualquer esperança contra a extrema-direita vem, por um lado, da capacidade de trabalhar em conjunto da esquerda e do centro-esquerda tradicional”, mas também das condições de o “centro-direita e direita tradicional estabelecerem um cordão sanitário” em relação ao extremismo, “como aconteceu na Alemanha, por exemplo”, adianta.

Contudo, essa solução “a curto prazo, não vai beneficiar os partidos de direita e parece ser mais rentável do ponto de vista eleitoral aderir” às propostas políticas da extrema-direita”.

// Lusa

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