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“Cristo Atado à Coluna”. Descoberto soneto inédito de Camões

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O poeta, professor e investigador Nuno Júdice disse esta quarta-feira à agência Lusa ter descoberto um soneto de Luís de Camões, “Cristo Atado à Coluna”, num manuscrito, editado por Manuel de Faria, no século XVIII.

Nuno Júdice afirmou que o poema é atribuído a Camões e a autoria não lhe suscita dúvidas, apesar de uma possível edição implicar “o trabalho de especialistas”.

O manuscrito foi encontrado pelo investigador na Biblioteca Digital Hispânica, onde se encontram vários outros poetas “do barroco, que merecem ser melhor estudados”.

Nuno Júdice salientou que esta sua descoberta demonstra “que há ainda muito por revelar nas bibliotecas e por estudar e dar o devido valor”, na área da literatura.

“É uma esperança para os investigadores”, disse o também diretor da revista Colóquio Letras da Fundação Calouste Gulbenkian, referindo que “não está tudo estudado ou descoberto”, profetizando que há território literário por desvendar.

Referindo-se ao poema, Júdice disse que Manuel de Faria “foi o primeiro editor a sério de Camões”, no século XVII, e não seria este soneto que tornaria Camões um poeta maior e tão conhecido.

Este poema, segundo Nuno Júdice, “desenvolve uma ideia nada ortodoxa”, com o catolicismo vigente na época, já que Camões argumenta que o amor liberta.

Segundo o investigador, neste soneto, Camões afirma que “Cristo é torturado e chicoteado, mas liberta-se pelo amor à humanidade”.

Camões recupera a ideia do “cárcere por amor”, que tinha sido já desenvolvida pelo poeta Diego San Pedro (1437-1498), autor de “Cárcel de Amor”.

Luís de Camões, de vida incerta, terá nascido em Lisboa, em 1524, cidade onde morreu em 1579 ou 1580, tendo recebido uma reduzida tença do Rei Sebastião pela escrita do poema épico “Os Lusíadas”, publicado em 1572.

Camões é ainda autor de vários poemas, como redondilhas, rimas e sonetos, e de teatro, como “Auto d’El Rei Seleuco”, “Filodemo” e “Anfitriões”. A sua poesia foi cantada por Amália e José Afonso, entre outros.

O poeta encontra-se sepultado no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, apesar de suscitar algumas dúvidas aos académicos que seja o seu corpo que se encontra na urna de pedra.

Não é a primeira vez que Nuno Júdice ‘se encontra’ com Camões. O investigador contou à Lusa, que, há uns anos, descobriu um poema atribuído ao épico, “Leite da Virgem”, que entregou aos cuidados da especialista camoniana Fiama Hasse Pais Brandão, que, entretanto morreu em 2007.

Poeta, ensaísta e ficcionista, Nuno Júdice, 73 anos, foi, até 2015, professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Júdice desempenhou o cargo de diretor da revista literária Tabacaria (1996-2009), foi comissário para a área da Literatura da representação portuguesa na 49.ª Feira do Livro de Frankfurt.

Desempenhou funções como conselheiro cultural da Embaixada de Portugal em França (1997-2004) e diretor do Instituto Camões em Paris.

Organizou a Semana Europeia da Poesia, no âmbito da Lisboa’94 – Capital Europeia da Cultura. Atualmente, dirige a Revista Colóquio-Letras, da Fundação Calouste Gulbenkian. Literariamente, estreou-se em 1972 com o livro de poesia “A Noção de Poema”.

Ao longo da carreira literária, Nuno Júdice tem sido distinguido com diversos prémios, os quais o Prémio Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana, em 2013, o Prémio Pen Clube, o Prémio D. Dinis da Casa de Mateus.

Recebeu o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, por “Meditação sobre Ruínas”, finalista do Prémio Europeu de Literatura.

// Lusa

7 Comments

  1. Os broncos da Lusa não sabem que Camões morreu exatamente antes do início da União Ibérica????
    Há até quem associe metaforicamente o desaparecimento deste ícone português com o desaparecimento da independência.
    “Ó tristes figuras…”

    • Caro leitor,
      Não é o senhor que decide que notícias é que servem ou não servem para alguma coisa ou alguém.
      Entretanto, se encontrar algures o texto do soneto publicado, agradecemos-lhe a bondade de no-lo enviar, para com ele enriquecermos a nossa notícia.

  2. Bom dia, caríssimos portugueses do Zap.
    Se quiserem a íntegra do soneto, ei-lo abaixo. Há ao menos três edições históricas em que ele veio a lume. Todavia, por o terem publicado autores da crítica especializada, não é incomum que os veículos de imprensa, brasileiro e português, o desconheçam dessas edições.

    “De Luis de Camões, a Christo atado a colunna

    Se misericordia e amor não vos atara,
    A corda per sy só se desfizera;
    E, se isto deste modo acontecera,
    Quem da prizão eterna me livrara?

    Se amor, com vos prender, não me soltara,
    Em cárcere infernal sempre estivera;
    E, se do Ceo esse amor vos não decera,
    Quem do inferno ao ceo me levantara?

    Por demais forão gemidos nem oferta,
    Se amor vos não tivera tão atado.
    E cuidão cegos que a corda vos aperta!

    E vos de amor estais tam apertado
    Que so elle se acende e se desperta
    Mais que algos contra vos, por meu pecado.
    LUÍS DE CAMÕES

    Cancionero recopilado por Manuel de Faria. – Dedicado ao Conde de Haro em 1666, ms., f. 36.
    Pontuação modernizada.”

    E se o quiserem atualizar (Zap), eis a fonte:

    Um *inédito* triplamente publicado
    Em conversa informal com o Professor Felipe de Saavedra, da Rede Camões na Ásia (RCnA) – http://www.asia.pt ficámos a saber que o soneto de Camões anunciado hoje por vários órgãos de imprensa portugueses como “inédito” e recém-descoberto, foi já publicado em pelo menos três instâncias:

    Edição princeps:

    – em 1968, por Edward Glaser na ed. crítica do Cancioneiro de Manuel de Faria, p. 218.

    A partir daí entrou nas edições que se seguiram dos sonetos de Camões:

    – por C. Berardinelli na ed. dos Sonetos de 1980, p. 457 e 663.
    – por M. L. Saraiva na ed. da Lírica Completa II de 1994, p. 485.

    Também se encontra mencionado por Leodegário de Azevedo F. na Lírica de Camões, vol. 1, p. 241.

    Vamos pois proceder aqui e agora à quarta edição deste belo soneto:

    De Luis de Camões, a Christo atado a colunna

    Se misericordia e amor não vos atara,
    A corda per sy só se desfizera;
    E, se isto deste modo acontecera,
    Quem da prizão eterna me livrara?

    Se amor, com vos prender, não me soltara,
    Em cárcere infernal sempre estivera;
    E, se do Ceo esse amor vos não decera,
    Quem do inferno ao ceo me levantara?

    Por demais forão gemidos nem oferta,
    Se amor vos não tivera tão atado.
    E cuidão cegos que a corda vos aperta!

    E vos de amor estais tam apertado
    Que so elle se acende e se desperta
    Mais que algos contra vos, por meu pecado.
    LUÍS DE CAMÕES

    Fonte:
    Cancionero recopilado por Manuel de Faria. – Dedicado ao Conde de Haro em 1666, ms., f. 36.
    Pontuação modernizada.

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