Uma mistura de ossos de adolescentes, idosos e pessoas de diferentes géneros, separadas por vários séculos. Parece uma obra de arte macabra, mas os romanos “sabiam o que estavam a fazer”.
Um esqueleto completo foi encontrado numa sepultura galo-romana no oeste da Bélgica. Foi colocado como tal no Museé du Malgré-Tout em Viroinval. Mas os restos ósseos não são, afinal, um indivíduo romano, mas sim “uma mistura bizarra de pessoas de milhares de anos”.
Assim a descreve a New Science, que falou com a investigadora da Universidade Livre de Bruxelas Barbara Veselka, sobre o estudo publicado em outubro na Cambridge University Press.
“Os romanos cremavam os seus mortos e punham-nos no chão e pronto? Bem, evidentemente que não. Podem ter feito muito mais do que pensávamos“, comentou Veselka.
Os restos mortais, que repousam sobre o lado direito e com as pernas dobradas para cima, incluem ossos longos de 8 homens e mulheres da Idade da Pedra sem qualquer relação aparente entre si — de idades diferentes e separados por vários séculos — e o crânio de uma mulher romana que morreu 2500 anos mais tarde.
A descoberta foi feita com datação por radiocarbono e análise do ADN. O esqueleto foi encontrado em 1970, mas só anos mais tarde foi investigado.
A investigadora apercebeu-se, ao olhar para os ossos, de que apesar de estarem perfeitamente alinhadas, as vértebras pareciam uma mistura de ossos de adolescentes e de idosos, e o fémur parecia demasiado grande para a pélvis.
As análises de ADN ao crânio revelaram que este pertencia a uma mulher galo-romana: os seus genes coincidiam com os de dois irmãos enterrados num cemitério romano a 150 quilómetros a leste, há cerca de 1800 anos.
A investigadora explicou à New Scientist que os romanos “sabiam o que estavam a fazer”, já que a junção dos ossos reflete os conhecimentos dos que a construiram sobre a anatomia humana. Os ossos estavam cuidadosamente organizados por forma a assemelharem-se ao esqueleto de uma só pessoa.
Segundo Veselka, as próprias tribos da Idade do Bronze podem ter recolhido os ossos para criar um único esqueleto como símbolo de unidade, e os romanos podem ter acrescentado um crânio por respeito aos mortos (podem ter partido o crânio neolítico original durante escavações, por exemplo).
De qualquer forma, denota o investigador da Universidade de Berna Marco Milella à New Scientist, esta descoberta continua a ser um “enigma fascinante”.
O facto de o corpo ter sido reconstruído é uma prova de como os corpos humanos são “continuamente conceptualizados e carregados de significados culturais e sociais” ao longo do tempo, garante.
“Estes eram os entes queridos de alguém“, conclui Veselka, e é por isso que acha “inapropriado” que se chame a este invulgar esqueleto de “Frankenstein neolítico”.