Enterrada nos estratos do rochedo, a cerca de 15 metros acima do rio Colville, no Alasca, havia uma camada isolada de areia e argila com cerca de 10 cm de espessura.
Quando este sedimento foi depositado, há cerca de 73 milhões de anos, o mundo era mais quente do que é agora, mas esta região estava ainda mais ao norte.
Hoje, esta parte do Alasca recebe algumas horas de penumbra todos os dias durante o inverno. Mas, naquela época, mergulhava na escuridão completa por quatro meses do ano, entre outubro e fevereiro. A temperatura caía regularmente abaixo de -10°C e nevava ocasionalmente.
Mas, ainda assim, escondidos entre o conjunto de sedimentos, encontram-se os últimos restos de uma época bizarra da história do planeta: ossos e dentes minúsculos, com poucos milímetros de comprimento, que pertenceram a ninhadas de gigantes. Foi aqui que milhares de dinossauros fizeram os seus ninhos e os fetos que não eclodiram permaneceram enterrados até hoje.
“Provavelmente, é a camada de ossos de dinossauro mais interessante de todo o estado do Alasca”, afirma o paleontólogo Pat Druckenmiller. “Eles viviam praticamente no Polo Norte.”
Tendemos a imaginar os dinossauros como criaturas tropicais — répteis monstruosos e cheios de dentes que patrulhavam as florestas e pântanos de um planeta quente e húmido. Mas os cientistas têm percebido cada vez mais que isso não é totalmente correto.
Existiam também dinossauros em lugares mais frios e está cada vez mais claro que eles estavam longe de ser visitantes ocasionais de climas mais amenos.
Da Austrália até a Rússia, cientistas já desenterraram dezenas de dinossauros que podem um dia ter vivido no frio extremo, fechando os seus olhos brilhantes para dormir enquanto olhavam para as luzes da aurora dançando todas as noites e, às vezes, procurando alimentos entre camadas de neve cristalina.
Esses dinossauros não lutavam para sobreviver à margem da sua zona habitável. Em lugares como o Alasca, eles estavam a multiplicar-se.
Essas descobertas têm implicações que vão muito além das estranhas cenas que elas inspiram, com tiranossauros a sacudir a neve das suas (possíveis) penas.
E, à medida que os cientistas aprendem mais sobre eles, ficamos mais perto da resposta a uma das questões mais complexas da paleontologia: os dinossauros tinham sangue quente ou frio?
Uma descoberta surpreendente
Em 1961, o geólogo Robert Liscomb mapeava as margens do rio Colville para a companhia petrolífera Shell quando encontrou algo inesperado: um punhado de ossos saindo dos estratos do rochedo. Liscomb acreditava que deviam ser ossos de mamíferos, mas levou-os consigo e guardou-nos num armário.
Naquele mesmo ano, Liscomb morreu tragicamente num desabamento. Por duas décadas, os ossos ficaram esquecidos, trancados nos arquivos da empresa.
Enquanto isso, fósseis de dinossauros espalhados começaram a surgir em outros locais no norte do planeta, incluindo pegadas na ilha norueguesa de Svalbard.
Até que, um dia, em 1984, houve uma descoberta fascinante: os cientistas encontraram pegadas e impressões da pele de dinossauros na mesma encosta ao norte do rio Colville, onde Liscomb encontrou os seus ossos. Esta descoberta fez com que os ossos antigos fossem rapidamente retirados da gaveta e concluiu-se que aqueles também eram ossos de dinossauro.
A descoberta gerou intenso debate entre os paleontólogos. Animais de sangue frio certamente não conseguiriam viver naquele ponto tão ao norte. Convicções mantidas há séculos começaram a ser questionadas e os estudos começaram a fervilhar.
Logo ficaria claro que os ossos do rio Colville não foram encontrados por acaso. Os afloramentos ao longo das margens do rio estavam definitivamente repletos de fósseis de dinossauros, mais do que havia sido encontrado em qualquer local da região ártica ou antártica.
“E, o mais importante, é de longe o maior sítio de dinossauros polares“, afirma Druckenmiller.
Existiram, de facto, dinossauros polares, mas continuamos sem entender como eles sobreviveram. Por sorte, havia uma explicação simples: eles só viviam ali durante o calor — os dinossauros migravam.
Como as suas primas distantes, as andorinhas-do-ártico dos dias atuais, os dinossauros poderiam ter visitado os polos durante o verão e retornado para climas mais quentes durante o inverno. Alguns especialistas sugeriram que eles viajavam até 3,2 mil quilómetros de distância. Mas esta teoria também encontrou um obstáculo.
A presença de rastros de dinossauros jovens indicava que provavelmente eles permaneciam na região do Alasca durante todo o ano. Afinal, os animais mais jovens não teriam conseguido fazer a longa migração. Mas nem todos ficaram convencidos.
Tarefa delicada
Enquanto os paleontólogos escavavam ossos da coxa do tamanho de golfinhos nas planícies queimadas pelo sol na Argentina, Druckenmiller adotou uma estratégia diferente.
Quando a sua equipa encontrou a sua tão esperada camada de rocha, o silêncio do cenário vazio foi rapidamente interrompido pelo som das britadeiras e motosserras.
“O que sobrou foi basicamente uma fração de areia e olhamos cada grão de areia no microscópio em busca de pequenos ossos e dentes”, explica Druckenmiller. “É um processo muito lento e demorado. É como batear em busca de ouro, mas à procura de dinossauros.”
O cientista stima que, numa década, a sua equipa examinou milhões de partículas de areia em busca destes fósseis minúsculos. E o que encontraram foi extraordinário.
“Nós não tínhamos apenas um ou dois tipos de bebés dinossauros”, afirma Druckenmiller. “Na verdade, temos evidências de sete grupos diferentes de dinossauros, herbívoros e carnívoros, espécies grandes e pequenas.”
É importante observar que o facto de que os dinossauros faziam ninhos significa que, com quase total certeza, eles não migravam quando o tempo arrefecia.
Mistério no gelo
Druckenmiller acredita que é provável que os dinossauros do Alasca tivessem adotado pelo menos alguns comportamentos que evoluíram para os ajudar a enfrentar as condições do Ártico.
“Existem razões para acreditar que talvez algumas das espécies menores, especialmente os herbívoros, fossem suficientemente pequenas para fazer uma toca e hibernar no inverno”, afirma ele.
Essas indicações preliminares vêm dos anéis de crescimento em cortes transversais dos ossos, como os dos troncos das árvores — marcas que mostram as variações do padrão de crescimento dos animais ano após ano. Se o crescimento for suspenso, como ocorre durante a hibernação, esse espaço deixa um anel.
Estas provas juntam-se às evidências encontradas em outros locais, de que os dinossauros podem ter tido pelo menos algumas das adaptações necessárias, como a formação de tocas.
Outra possibilidade é que os dinossauros enfrentassem o frio da mesma forma que fazem muitos mamíferos modernos, formando uma camada de gordura corporal.
“Eles fazem isso, basicamente, passando fome lentamente”, explica ele. “Não existe motivo por que os dinossauros não poderiam ter feito o mesmo.”
Mas existe uma adaptação mais óbvia: como os dinossauros regulavam sua temperatura corporal. Os cientistas vêm debatendo se os dinossauros eram animais de sangue frio ou quente desde que foram descobertos.
No século XIX, considerava-se geralmente que eles fossem essencialmente enormes répteis ectotérmicos – eles não conseguiam gerar seu próprio calor corporal e precisavam de se banhar ao sol, como fazem os répteis modernos.
Mas, à medida que os especialistas aprendiam mais sobre as vidas dos dinossauros e começavam a perceber que as aves modernas são, essencialmente, dinossauros com bicos e penas, muitos começaram a questionar se aquilo era verdade.
“Um dos pontos que consideramos em toda esta história é que esses dinossauros, com quase total certeza, eram animais de sangue quente, até certo ponto”, explica Druckenmiller. “Certamente, esses dinossauros tinham algum grau de endotermia — eles produziam seu próprio calor interno. É uma espécie de pré-requisito para viver em um ambiente frio.”
A cada nova descoberta, esses dinossauros quase polares trazem indicações sobre a diversidade e a resiliência dos seus parentes em todo o planeta — e nos mostram que eles eram muito mais do que apenas lagartos gigantes.
ZAP // BBC