De delfim de Trump ao seu maior rival nos Republicanos. Quem é Ron DeSantis?

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Gage Skidmore / Flickr

Ron DeSantis é uma estrela em ascensão no partido Republicano e está agora a causar muitas dores de cabeça a Donald Trump, que apoiou a sua candidatura em 2018. É apontado com o maior rival do ex-Presidente nas primárias de 2024.

Apesar de ser quase certa uma vitória Republicana na Câmara dos Representantes, os recentes resultados das eleições intercalares foram uma desilusão para o partido, com a prometida “onda vermelha” a nunca rebentar e com tudo ainda em aberto no Senado, que agora depende da segunda volta das eleições na Geórgia.

A culpa deste fracasso está a ser atirada a Donald Trump, com vários conselheiros políticos Republicanos a considerar que o apoio do ex-Presidente a candidatos pouco elegíveis lhes custou uma vitória confortável nas intercalares.

Desde o seu anúncio de que era candidato à Presidência em 2015 que Donald Trump se foi afirmando como o rosto do partido, especialmente após a sua vitória contra Hillary Clinton.

Aos poucos, quaisquer vozes opositoras foram purgadas do partido e os candidatos apoiados pelo ex-Presidente foram os grandes vencedores das primárias Republicanas. O partido Republicano tornou-se o “partido de Trump”.

Mas os resultados das intercalares estão a ameaçar este domínio aparentemente inabalável de Trump no partido, com as chefias a questionar se o eleitorado trumpista é um nicho demasiado pequeno e se a sua popularidade com a base é capaz de se traduzir em bons resultados os confrontos com os Democratas.

Perante este cenário, há agora uma estrela em ascensão nos Republicanos que ameaça roubar os holofotes a Trump — o governador da Flórida, Ron DeSantis.

No plano ideológico, Trump e DeSantis são parecidos: ambos declararam guerra à cultura “woke”, têm posições duras sobre a imigração, opõem-se à “teoria crítica racial”, são contra o aborto em quase todos os cenários e desafiaram as opiniões dos especialistas sobre a pandemia.

Mas sendo mais jovem e tendo menos “bagagem” do que Trump — cuja imagem tem sido mais desgastada pelos sucessivos escândalos e problemas com a justiça — De Santis está a ser apontado como uma possível alternativa ao ex-Presidente nas presidenciais de 2024.

A sua esmagadora vitória por quase 20 pontos na corrida à reeleição na Flórida só cimentou ainda mais o seu estatuto de estrela em ascensão no partido Republicano e serviu de contraste com os resultados decepcionantes dos candidatos apoiados por Trump. Pode este ser um caso em que o aprendiz derrota o mestre?

A resposta polémica à pandemia

Actualmente com 44 anos, DeSantis formou-se em direito nas universidades de Yale e de Harvard e também serviu a marinha norte-americana na guerra no Iraque. Foi eleito pela primeira vez para o Congresso em 2012.

Durante a presidência de Trump, DeSantis foi um dos seus maiores aliados, tendo várias vezes criticado a investigação de Muller à interferência russa nas presidenciais de 2016. Em 2018, candidatou-se pela primeira vez ao cargo de governador da Flórida, tendo recebido um apoio público de Donald Trump.

Depois de os votos terem sido recontados devido à proximidade entre DeSantis e o Democrata Andrew Gillum, o Republicano saiu por cima com uma margem de 0,4%.

O seu perfil a nível nacional disparou durante a pandemia. Numa altura onde muitos estados ainda estavam a avançar com cautela, DeSantis destacou-se por abolir todas as restrições logo em Setembro de 2020 e banir a cobrança de multas a quem recusasse usar máscara.

A decisão de DeSantis foi imensamente criticada pelos especialistas de saúde e em Agosto de 2021, a situação epidemiológica na Flórida causada pela variante Delta era tão severa que o governo federal teve de enviar ventiladores para o estado.

“A carga viral na Flórida é tão alta agora que só há dois lugares no planeta onde é mais alta”, afirmou na altura Jonathan Reiner, da Faculdade de Medicina da Universidade George Washington, que disse ainda que os EUA proibiriam a entrada de pessoas vindas da Flórida se o estado pertencesse a um país estrangeiro.

No entanto, estas críticas não impediram DeSantis e os seus aliados conservadores de declarar que a sua resposta à pandemia foi a correcta. “É interessante. Agora vemos alguns nos media mainstream e nacionais a admitir: Oh, a Flórida tinha as escolas abertas — foi a decisão certa. Oh, a Flórida tinha uma taxa de desemprego de 4,8% — e mesmo assim a sua taxa de mortalidade por covid foi mais baixa do que nos estados confinados”, afirmou em Março de 2021, citado pelo Politico.

Esta ideia foi repetida no seu discurso de vitória após a reeleição esta terça-feira. “Escolhemos factos em vez de medo, escolhemos educação em vez de doutrinação, escolhemos lei e ordem em vez de tumultos e desordem. A Flórida foi um refúgio de sanidade quando o mundo enlouqueceu”, declarou.

As guerras culturais

Na mesma onda de políticas trumpistas, DeSantis avançou em Outubro deste ano com a criação de uma força policial dedicada exclusivamente ao combate à fraude eleitoral, tendo 20 pessoas acabado por ser detidas, acusadas de violarem a lei estadual que proíbe condenados por homicídio ou ofensas sexuais de votar, mesmo depois de servirem a pena.

Os vídeos das câmaras dos policiais mostram um dos detidos confuso sobre o que se passava e a dizer que pensava que a lei o deixava votar, especialmente depois de ter recebido a documentação para se registar como eleitor. O suspeito perguntou por que é ninguém o impediu de votar se era ilegal e próprio polícia não soube responder. Um dos detidos foi mais tarde ilibado, explica a Reuters.

Sobre o aborto, DeSantis aproveitou a decisão do Supremo que abriu a porta à reversão do direito federal para avançar com uma lei que proíbe o procedimento após as 15 semanas de gestação, mesmo em casos de violação, incesto ou tráfico humano. A interrupção da gravidez só é permitida caso a vida ou a saúde da grávida estejam em risco ou se for detectada uma mal-formação no feto.

“A vida é um dom sagrado digno de nossa proteção, e tenho orgulho de assinar esta grande lei que representa as protecções mais significativas para a vida na história moderna do estado”, afirmou DeSantis quando assinou a lei.

A educação sexual ou as discussões sobre identidade de género também são um bicho-papão para DeSantis, que proibiu as escolas de ensinar sobre orientação sexual ou identidade de género até ao terceiro ano ou de uma forma “não apropriada à idade ou apropriada ao desenvolvimento dos estudantes”.

Em 2021, também proibiu as meninas e mulheres transsexuais de competir em desportos femininos em instituições de ensino públicas e este ano avançou com uma proibição aos cuidados de saúde de transição para menores trans, que agora não poderão ser sujeitos a cirurgias ou fazer tratamentos hormonais, relata a CBC.

Na imigração, DeSantis foi um dos principais envolvidos nos transportes sem avisos de migrantes para cidades governadas pelos Democratas, que eram depois deixados sem qualquer ajuda.

Várias organizações de direitos humanos e opositores Democratas criticaram a política, acusando DeSantis e o governador do Texas, Greg Abbott, de instrumentalizar os migrantes para fins políticos e até de participarem em “tráfico humano”.

 

A sua ideologia anti-woke e conservadora foi resumida pelo próprio no discurso de vitória: “Abraçámos a Liberdade, mantivemos a lei e ordem, protegemos os direitos dos pais, respeitámos os nossos contribuintes e rejeitámos a ideologia ‘woke’”.

Rota de colisão com Trump

A ascensão de DeSantis não tem passado e até o próprio admite ter ambições para além da Flórida despercebida. De acordo com o The New York Times, quando era professor, DeSantis chegou a dizer aos seus estudantes que talvez um dia chegasse à Casa Branca.

No debate com o Democrata Charlie Crist, o seu adversário na corrida ao cargo de governador, DeSantis também fugiu à pergunta quando o rival o confrontou sobre os boatos da sua candidatura à presidência em 2024.

“Por que é que não olha nos olhos do povo do estado da Flórida e lhes diz que, se for reeleito, cumprirá um mandato completo de quatro anos como governador? Sim ou não?”, questionou Crist. DeSantis não respondeu.

A possibilidade cada vez mais provável de DeSantis avançar com uma candidatura presidencial azedou de vez a sua relação com Donald Trump. O governador da Flórida integra agora uma longa lista de aliados que viraram inimigos, juntando-se a nomes como Mike Pence, Jeff Sessions ou Mitch McConnell.

Há um ano, Trump estava confiante de que não seria DeSantis a travá-lo. “Se o enfrentasse, ganharia tal como ganharia contra qualquer outro candidato. Mas não acho que o vá enfrentar. Acho que a maioria dos candidatos ia desistir, acho que ele iria desistir”, afirmou o ex-Presidente à Yahoo em Outubro de 2021.

Mas mais recentemente, Trump tem saído mais ao ataque, o que indica que o ex-chefe de Estado talvez considere agora que DeSantis é uma ameaça maior do que esperava inicialmente.

Na véspera das eleições, na segunda-feira, Trump aconselhou DeSantis a não concorrer à presidência com uma ameaça velada de divulgar informações comprometedoras sobre o governador.

“Acho que ele se poderia magoar muito. Acho que a base não gostaria, acho que não seria bom para o partido”, disse, ameaçando dizer “coisas” sobre DeSantis que “não lhe seriam muito favoráveis“.

O New York Post, um tablóide que Trump lê regularmente, até dedicou a capa ao governador, chamando-lhe “DeFuture“. A cobertura favorável tem irritado o ex-chefe de Estado, que prefere outra alcunha: Ron DeSanctimonious, ou Ron DeHipócrita.

Esta quinta-feira, no meio de toda a cobertura mediática sobre a sua reeleição na Flórida, Trump criticou DeSantis num comunicado e na sua rede social, Truth Social, ficando com os louros pela sua vitória em 2018, que diz que só foi alcançada graças ao seu apoio, e descreveu o rival como “medíocre”.

“Ele diz ‘só estou focado na corrida para governador, não estou a pensar no futuro. Bem, em termos de lealdade e de classe, essa não é bem a resposta certa. Ele não passa de um governador REPUBLICANO medíocre com óptimas relações públicas, que não tinha de confinar o seu estado, mas fê-lo, ao contrário de outros governadores Republicanos”, disparou, citado pelo Politico.

Trump também atirou farpas aos media: “A NewsCorp, que inclui a Fox, o Wall Street Journal e o não mais grande New York Post, está toda a favor do governador Ron DeSanctiomonious“.

Uma sondagem de Agosto concluiu que, sem Donald Trump nas primárias, DeSantis derrotaria o seu rival mais próximo, o antigo vice-presidente de Trump, Mike Pence, com uma margem de 15 pontos.

Na sua campanha para reeleição, DeSantis também recebeu o voto de confiança dos doadores, tendo angariado mais de 200 milhões de dólares.

“Ron DeSantis é um especialista em como falar com a base; como antagonizar os Democratas de uma maneira que, eu acho, para muitos Republicanos, parece inteiramente baseada na razão. Ele não está a fazer discursos incoerentes como Donald Trump fez. Ele é metódico, e é por isso que ele está a crescer tão rápido”, revelou um doador ao The Hill.

É um duelo que promete.

Adriana Peixoto, ZAP //

2 Comments

  1. Afinal, um Trumpista contra o seu criador! DeSantis é uma remix da música original. Pode ser que tenha mais êxito – ou não. mas continua a ser “música” de fraca qualidade.

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