Manuel Sobrinho Simões é considerado o patologista mais influente do mundo, mas mesmo assim, confessa que tem “medo grande” do cancro. Até porque tem a certeza de que “daqui a 50 anos toda a gente” vai sofrer desta doença.
Médico, professor, investigador e fundador do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP), onde é director, Manuel Sobrinho Simões vaticina, numa entrevista ao jornal Expresso, que, a breve prazo, “alguns cancros vão” ter cura.
Mas essa realidade só será possível em casos “iniciais”, diz, assumindo que tem um “medo grande” de ter cancro por ser “uma doença terrível“, sobre a qual não se pode ter “um controlo absoluto num estado avançado”.
De qualquer modo, segundo Sobrinho Simões, os cancros “na sua maioria, vão ser tratáveis, inicialmente com cirurgia”, porque os diagnósticos precoces vão tornar-se cada vez mais frequentes.
Depois, “muitos cancros vão ser progressivamente transformados em doenças crónicas”, nota Sobrinho Simões, realçando que esta realidade já ocorre, hoje em dia, com os cancros do intestino, da mama e da próstata.
Consequências de “esticar a vida de forma indecente”
Aquele que, em 2015, foi considerado o patologista mais influente do mundo, acredita que “daqui a 50 anos toda a gente vai ter” cancro e “mais do que um” tipo desta doença. “As pessoas que têm um, têm mais riscos de ter um segundo”, justifica.
Uma circunstância que está directamente relacionada com o facto de “estarmos a durar mais”, nota Sobrinho Simões.
“O cancro é uma doença da velhice e é por isso que não está a diminuir”, aponta, realçando que “se fosse uma doença das crianças, ela interferia com a reprodução e estava a diminuir, porque as pessoas com susceptibilidade para ter cancro morriam cedo, antes de terem filhos”.
“Estamos a ter muitos cancros porque estamos a esticar a vida de uma forma indecente”, acrescenta o investigador português, destacando, por outro lado, que “a mortalidade por cancro está a diminuir em todo o mundo”.
Em Portugal, em 2016, registaram-se “25 mil mortos e 50 e tal novos casos” de cancro, uma estatística que reflecte aquela que Sobrinho Simões considera ser a tendência do futuro.
O médico acredita que haverá um aumento crescente dos “cancros de pessoas de muita idade” que “não vão matar” esses idosos.
“Velhinhos de 100 anos, têm todos cancro da próstata”, realça, sublinhando que estamos a falar de “cancros pequeninos” e que “nem vale a pena” tratar porque estes doentes “vão morrer de outra coisa”.
“A pessoa vai morrer não de cancro, nem de doenças neuro-degenerativas, mas de infecções respiratórias – as gripes, as pneumonias -, doenças que antigamente não eram tão importantes assim, porque as pessoas não viviam tanto tempo”, sustenta Sobrinho Simões.
“Nenhum alimento por si só faz muito mal”
O patologista não nega a importância que factores como o estilo de vida, a dieta alimentar, bem como vícios como o tabaco e o álcool, podem ter para o aparecimento de cancro. Mas para ele é certo que tem tudo a ver com a idade e com o facto de os “mecanismos de reparação do ADN” irem falhando à medida que se envelhece.
“O aumento exponencial dos erros não reparados [do ADN] faz com que um velhinho seja uma receita para o desastre“, sustenta Sobrinho Simões.
Ele também considera que causas como a “exposição disparatada ao sol, o tabaco, o álcool em excesso” e “infecções víricas do colo do útero, do pénis ou do fígado” podem contribuir mais para o aparecimento de casos de cancro em idades mais precoces do que propriamente a dieta alimentar ou o estilo de vida.
“Não é verdade que consumir carne provoca cancro, só quando há grandes excessos”, aponta o médico nesta entrevista ao Expresso, relevando que “nunca se provou” que as carnes vermelhas sejam mais tóxicas”. O problema “é a quantidade”, diz.
Sobrinho Simões também defende que há uma “tendência para valorizar os alimentos porque está na moda”. E assim, diz que há ideias erradas como a de que “o alho faz muito bem”.
“Não há nenhum alimento que, por si só, faça muito bem ou muito mal”, defende o médico, notando que o essencial é o “equilíbrio”, fazer “exercício físico e evitar a obesidade” e ter, no fundo, “bom senso comportamental”.
O melhor mesmo é morrer aos 70 anos, no máximo aos 80, se se tiver saúde. Viver mais tempo do que isso é muito penoso e um grandecíssimo sarilho.