Seis em cada dez pessoas na Argentina estão a ponderar deixar de consumir carne e outros produtos de origem animal e tornar-se vegano, segundo um estudo divulgado pelo Instituto para a Promoção da Carne do país. Em muitos casos, os motivos são ambientais mas, na sua maioria, são económicos.
Quando Manuel Martí parou de consumir produtos de origem animal, em 1974, os seus conhecidos com cerca de 18 anos pensaram que ele estava louco. Como relatou o OZY, na Argentina obcecada por carne, o veganismo era praticamente um conceito estrangeiro.
A carne, principalmente em formato de bife, e os churrascos a carvão são uma parte intrínseca da cultura culinária do país. A maioria dos pratos que compõem a dieta típica da Argentina contém algum produto de origem animal. Em 2016, o país sul-americano foi o segundo maior consumidor per capita de carne bovina do mundo, depois do Uruguai.
Contudo, em julho passado, a palavra “vegan” apareceu na maioria das primeiras páginas dos jornais argentinos quando um grupo de jovens manifestantes interrompeu um espetáculo de gado da Sociedade Rural Argentina, empunhando cartazes e exigindo a “liberdade animal”, enquanto os participantes, a cavalo, tentavam dispersá-los.
Para os ativistas veganos, esse tipo de protesto não é invulgar, mesmo em países onde o consumo de carne é elevado e nos quais recebem pouca resposta. Na Argentina, porém, a atenção que os manifestantes conseguiram originou uma mudança silenciosa, mas dramática, que está agora em andamento.
De acordo com o estudo do Instituto para a Promoção da Carne, a realidade quanto ao consumo de produtos de origem animal no país está a mudar.
Martí, agora com 63 anos e chefe da União Vegetariana Argentina, lembrou que, em 2000, conhecia apenas um outro vegano. Uma pesquisa encomendada pela organização que lidera descobriu que, atualmente, 9% da população do país é vegetariana ou vegana.
Segundo o OZY, encontrar um restaurante vegetariano ou vegano já não é um desafio, pelo menos nas principais cidades. Só em Buenos Aires existem pelo menos 70 restaurantes veganos exclusivos. As paredes da capital estão repletas de mensagens sobre a proteção de animais e o VeganFest está a tornar-se cada vez mais popular.
Além disso, muitas celebridades locais estão a deixar de lado aos produtos de origem animal. O futebolista Lionel Messi, por exemplo, já explicou que muda para uma dieta vegana durante a temporada de torneios.
As preocupações com a saúde e as mudanças climáticas – impulsionadoras do veganismo em todo o mundo – estão presentes na Argentina. Mas há um fator adicional que afasta as pessoas da carne e dos produtos de origem animal: a crise económica do país.
O relatório mais recente da Câmara de Comércio da Argentina para Carne e Derivados revelou que o consumo de produtos à base de carne atingiu os valores mais baixos dos últimos 50 anos.
“Os preços subiram muito. Os churrascos de domingo não são como costumavam ser. É muito caro”, disse Marina Otamendi, de Buenos Aires. “Comemos carne com muito menos frequência e a substituímos por outras coisas, inclusive feijão”, contou.
Os preços da carne, dos produtos lácteos e dos ovos foram os que mais subiram entre bens alimentares no ano passado, de acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos, tornando estes itens demasiado caros para muitas famílias.
Adrian Bifaretti, diretor de marketing do Instituto de Promoção da Carne Bovina, reconheceu que a crise económica é uma das razões para a queda no consumo de produtos de origem animal. Mas há outras razões.
“Mudanças no estilo de vida estão a influenciar as escolhas dos jovens sobre o que comer”, indicou. “Estes estão agora mais interessados no que comem, na produção, na qualidade e no meio ambiente”, referiu, salientando, no entanto, que as dietas baseadas em vegetais não fornecem os mesmos nutrientes que aquelas à base de carne.
No outro extremo do espectro, os ativistas veganos estão a apelar para a consciência da população. “Queremos que as pessoas questionem o que está por trás do hambúrguer de carne que estão a pensar em comer: os maus-tratos a animais, trabalhadores, todas essas injustiças. Somos todos animais”, declarou Erika De Simoni, ativista da Voicot, a organização por trás dos cartazes presentes em cidades como Buenos Aires.
Apesar desta nova visibilidade e do número de pessoas que aderiram à causa, “ser vegano na Argentina ainda é muito difícil”, apontou Manuel Martí. “Muitos jovens veganos são vítimas de ‘bullying’ na escola, até por parte dos professores”. Além disso, não se encontra facilmente opções alimentares adequadas aos veganos nos hospitais e nas cantinas.
Outro ponto que ainda não está claro, expôs o OZY, é se alguns dos recentemente convertidos voltarão ao consumo da carne quando os preços estabilizarem.
Erika De Simoni, que mora numa pequena cidade a uma hora de carro de Buenos Aires e que se tornou vegana há oito anos, é mais positiva. “Estamos a ver pessoas a produzir e vender produtos veganos, alimentos, roupas, todo tipo de coisa”, indicou. “Precisamos superar a ideia de que a Argentina é apenas carne”, frisou.
Para Manuel Martí, combater a discriminação é sua próxima batalha. A organização que dirige está a trabalhar com o Instituto Nacional Contra Discriminação, Xenofobia e Racismo (INADI) para aprovar uma nova lei para proteger veganos, especialmente crianças. “Há mais veganos na Argentina do que membros de muitos partidos políticos. Se percebermos isso, podemos fazer muitas mudanças necessárias”, concluiu.