Porque é que as crianças não podem votar?

A maioria das pessoas acredita que a democracia é algo para os adultos e não pensa sequer na possibilidade de as crianças poderem votar.

No início do século XX, muitos países começaram a adotar o sufrágio universal, assegurando que o direito de voto já não dependia do género, riqueza ou raça. Mas as crianças continuaram excluídas – uma exclusão baseada no que nos pressupostos dos adultos acerca do que significa ser jovem, notou a jornalista Claudia Lorenzo Rubiera, num artigo do Conversation.

Num relatório de 2020, encomendado pela ONU, o comissariado da criança do Reino Unido concluiu que o governo britânico “não prioriza os direitos das crianças nem as suas vozes nos processos políticos ou legislativos”. Durante crises como pandemia da covid-19, os seus conhecimentos e necessidades são ignorados.

Vários países permitem que jovens com 16 ou 17 anos votem, mas a repórter acredita que devemos pensar mais nas razões para a privação ao direito de voto de jovens com menos idade. Se os excluirmos injustamente, apontou, a credibilidade da democracia está em risco.

Desconstruindo alguns argumentos, a jornalista começou por contrariar a ideia de que as crianças são demasiado mal informadas para poderem votar ou não são suficientemente racionais, com capacidades cognitivas menos desenvolvidas. É ainda entendido que as crianças seguem a opinião de figuras de autoridades, como os pais.

Segundo a jornalista, isso até pode ser verdade, mas em que momento a o conhecimento ou a racionalidade se tornam relevantes para o voto? E o que os eleitores precisam para votar “bem” ou de “forma responsável”? É a capacidade de identificar candidatos ou partidos políticos? Ou de analisar os seus desempenhos? Os eleitores têm de compreender o processo legislativo e os papéis do governo?

Embora esses conhecimentos sejam úteis, não há acordo sobre o que é essencial. E porque não temos a certeza do que é necessário, é impossível dizer que os adultos têm – seja o que for – e as crianças não têm.

De facto, as diferenças entre as crianças e os adultos são provavelmente menores do que pensamos: 35% dos eleitores britânicos não consegue identificar o seu deputado local, 59% dos norte-americanos não sabem a que partido pertence o governador do seu estado e apenas 44% conseguiram nomear um ramo do governo. Deixamos estes adultos votar, mas desqualificamos as crianças com as mesmas características.

O facto de os adultos não precisarem de mostrar credenciais ou uma independência de espírito mostra que votar não é uma questão de competência, mas sim um direito de cidadania.

Sempre que os cidadãos adquiram uma inclinação para votar – uma motivação que pressupõe uma compreensão do que as eleições fazem e de como funcionam – a opção devia estar disponível, independentemente da idade, sublinhou a repórter.

Outro dos argumentos indica que o voto das crianças conduziria ao caos político. Se as crianças forem irracionais e incoerentes, mas ainda assim autorizadas a votar, o resultado das eleições, e as decisões políticas a que dão origem, seriam distorcidas pelos seus votos mal concebidos e incoerentes.

No entanto, votar não é o mesmo que fazer lei. Votar não é decidir o que acontece ou conseguir o que se quer, ou mesmo definir a agenda política. Destilar a opinião pública é um processo confuso e complicado. E porque a ligação entre o que o público quer e o que obtém nem sempre é direta ou óbvia, as crenças dos eleitores não se refletem necessariamente na política.

É por isso que as democracias representativas podem funcionar com um vasto número de cidadãos desinformados e irracionais. De facto, ultrapassar a ignorância dos eleitores é precisamente aquilo de que se trata a política representativa – na qual o povo elege representantes para tomarem decisões em seu nome.

Votar, portanto, é uma declaração de igualdade, um reconhecimento de igual estatuto moral. Mais concretamente, é uma garantia de que as nossas preocupações e perspetivas não serão sistematicamente negligenciadas pelos políticos. O facto de as crianças não poderem votar significa que lhes é negado este respeito e proteção.

O último argumento exposto por Claudia Lorenzo Rubiera é o facto de o direito de voto não vir antes de outros direitos – como conduzir, fumar ou consumir bebidas alcoólicas, casar ou alistar-se no exército. Mas vale a pena questionar o porquê desses direitos só poderem ser exercidos a partir de determinada idade.

Como explicou a repórter, a resposta básica é que o exercício destes direitos é potencialmente prejudicial, pelo que só são conferidos a indivíduos que compreendam os riscos. Recusamos esse direito às crianças porque presumimos que elas, muitas vezes, não conseguem pensar nas consequências dos seus atos.

Negamos às crianças liberdades prejudiciais de modo a não comprometer as liberdades futuras, para assegurar que chegam à idade adulta com o maior número de oportunidades possível.

Este raciocínio é válido face ao direito às bebidas alcoólicas ou ao casamento, mas funciona menos bem com o direito de voto, que não é obviamente perigoso e não representa uma ameaça direta ao bem-estar futuro da criança.

Na opinião da jornalista, as crianças estão a sofrer uma injustiça: está a ser-lhes negado o voto sem uma justificação adequada. Ao mesmo tempo, os jovens estão profundamente insatisfeitos com a democracia, em parte porque são negligenciados na tomada de decisões democráticas.

A menos que lugar das crianças na democracia seja melhorado e aprofundado, a divisão política e a desconfiança democrática irão agravar-se, concluiu.

“ZAP” source=”The Conversation” ][/sc]

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