As crianças e os jovens deveriam ser ouvidos no âmbito dos processos de regulação parental em contexto de violência doméstica, porque melhor do que ninguém, conhecem as dinâmicas do relacionamento abusivo entre os progenitores, defendeu a APAV.
O psicólogo e responsável pela área da violência de género e doméstica da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), Daniel Cotrim, aponta que “é importante ouvir os jovens e as crianças” nos processos de regulação das responsabilidades parentais quando existe uma situação de violência doméstica, “porque eles têm muitas coisas importantes para dizer”.
“Isto não acontece, não são ouvidas as crianças e os jovens neste tipo de processos”, criticou Daniel Cotrim. De acordo com o responsável, só recentemente começou a haver alguma sensibilidade e sensibilização por parte dos magistrados para perceberem o que é que as crianças querem.
“Elas são especialistas em questões de risco e segurança porque eles conhecem muito bem quais são as dinâmicas daquele relacionamento abusivo entre o pai e a mãe”, defendeu, acrescentando que conhecem “os gatilhos” e os momentos em que o risco aumenta.
Daniel Cotrim denunciou que, na maior parte das situações acompanhadas pela APAV, há um “desfasamento” entre os Tribunais de Família e Menores, onde correm os processos de regulação das responsabilidades parentais, e os Tribunais Criminais, que decidem sobre processos-crime, como os de violência doméstica.
Isto faz com que o Tribunal Criminal decrete uma medida de afastamento e de proteção da vítima de violência doméstica e dos filhos, ao mesmo tempo que o Tribunal de Família e Menores decreta um período de visitas do progenitor agressor aos filhos.
Nesses casos são muitas vezes os próprios filhos quem não querem esse contacto, seja pelo medo que o agressor descubra onde é que estão agora a viver, seja por recearem que a situação de violência volte a repetir-se.
“Ouvimos muitas vezes dos jovens que têm medo destas visitas, porque não se sentem como os importantes da visita, mas sim que servem para ser mensageiros de um pedido de reconciliação por parte do agressor, pedindo para suspender o processo ou voltar para casa”, disse Daniel Cotrim.
O psicólogo criticou, por isso, que quando se fala do superior interesse da criança, muitas vezes esteja em causa “o superior interesse dos adultos, dos pais ou das mães e no que querem atingir através dos filhos”.
“É importante ouvir o que as crianças e os jovens têm a dizer neste tipo de situações” e que é “fundamental” que os Tribunais de Família e Menores e os Tribunais Criminais comuniquem”, concluiu o responsável da APAV.
// Lusa