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Corrupção nas messes da Força Aérea era “um polvo”

Um capitão disse esta segunda-feira em tribunal tratar-se de “um polvo” o esquema de corrupção nas messes da Força Aérea, sublinhando que havia uma “sensação de impunidade” entre os militares envolvidos, perante “uma situação normal de há muitos anos”.

Orlando Pinheiro, com o posto de capitão, atualmente no ativo, que assumiu a gerência da messe do Centro de Formação Militar e Técnica da Força Aérea (CFMTFA), na Ota, concelho de Alenquer, em meados de setembro de 2014, foi o segundo dos arguidos a prestar declarações no julgamento do processo conhecido como Operação Zeus, com 68 arguidos, 30 dos quais militares e 38 civis, entre empresas e pessoas individuais.

Este oficial contou ao coletivo de juízes que, quando foi substituir o também arguido major António Pinto na gestão da messe, este passou-lhe o serviço e disse-lhe: “Isto é um polvo”, em alusão ao esquema de corrupção que vigorava, com a conivência dos fornecedores.

O arguido relatou que o major António Pinto lhe explicou “todo o esquema que existia”, que passava por entregar, mensalmente, 500 euros à Direção de Abastecimento de Transportes (DAT), à data dos factos chefiada pelo major-general (agora na reserva) Raul Milhais Carvalho, arguido e considerado pelo Ministério Público como o “cabecilha” deste esquema fraudulento.

Cabia ao capitão Luís Oliveira, da DAT, passar pelo CFMTFA para levantar o envelope com o dinheiro entregue pelos fornecedores.

Pela sobrefaturação na aquisição de bens alimentares e matérias-primas para a confeção de refeições nas messes da Força Aérea e do Hospital das Forças Armadas, os militares recebiam dinheiro e presentes dos fornecedores, em função da intervenção de cada um.

No caso do CFMTFA, Orlando Pinheiro contou que o dinheiro angariado era distribuído da seguinte forma: duas partes para o major António Pinto (que passaram a ser para ele próprio), uma parte a ser dividida pela DAT e pelo major e arguido Paulo Sousa, à data comandante de esquadra, e três partes para os três sargentos que trabalhavam na messe e que também são arguidos no processo: António Mateus, António Rego e José Alves.

O arguido relatou que assim que assumiu a gestão da messe pediu um inventário do stock, concluindo-se que havia 62.000 euros em stock que deviam estar nas câmaras frigoríficas e em armazém, mas, desse valor, apenas existia material no valor de 18.000 euros.

Segundo o capitão, havia um défice de 1.500 quilogramas de carne de vaca, de 3.000 quilogramas de batatas e de 1.700 quilogramas de frango, situação que o levou a suspender a distribuição do dinheiro pelos envolvidos no esquema fraudulento de sobrefaturação, até que o stock fosse corrigido e reposto, o que só veio a acontecer em abril de 2015.

A partir de maio desse ano foi retomada a divisão do dinheiro pelos militares envolvidos e pelos empresários e comerciantes que aderiram ao esquema de sobrefaturação.

O arguido frisou que “havia uma sensação de impunidade” entre os militares envolvidos, a qual advinha, segundo ele, de uma realidade “normal de há muitos anos”, pois “sempre foi assim” e que aqueles que aderiram a este esquema achavam que “nada lhes ia acontecer”.

A presidente do coletivo de juízes, Susana Marques Madeira, questionou o arguido sobre o que pensa, agora, de tudo isto.

É a maior vergonha da minha vida. Tenho de arcar com as consequências. É muito triste. A pior a imagem que tenho na minha vida é ver a minha filha e a minha mãe a entrar no presídio. Custa muito”, respondeu Orlando Pinheiro, visivelmente emocionado, que admitira, anteriormente, não ter tido “coragem” para denunciar o esquema assim que este lhe foi explicado pelo seu antecessor na gestão da messe do CFMTFA.

O julgamento, com 30 militares arguidos – 16 oficiais e 14 sargentos – mais 38 civis, prossegue na quarta-feira com a continuação da audição do capitão Orlando Pinheiro.

À data dos factos (desde pelo menos 2011), estes militares arguidos estavam colocados na DAT e nas messes onde houve registo de crimes: Base Aérea n.º 1 (BA1 – Sintra), BA4 (Lajes, Açores), BA5 (Monte Real, Leiria), BA6 (Montijo), BA11 (Beja), Centro de Formação Militar e Técnica da Força Aérea (Ota – Alenquer), Comando Aéreo (Monsanto – Lisboa), Campo de Tiro (Alcochete), EMFA, Alfragide, Aeródromo de Trânsito n. º1 (Figo Maduro) e Depósito Geral de Material da Força Aérea (Alverca).

// Lusa

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