Conheça o efeito nocebo, o “gémeo malvado” do placebo

Conceituado como uma expectativa negativa em relação a medicamentos ou vacinas, o problema pode exacerbar sensações de dor, ansiedade, náusea e fadiga. A comunicação entre médicos e pacientes é apontada como solução.

“Alguém se aproxima e diz: ‘meu Deus, estás horrível, vais ficar doente?’, E, de repente, ficas mesmo doente”, conta Charlotte Blease, ao relembrar uma recente viagem de autocarro de Belfast a Dublin. “Já tens essa expectativa, e isso aumenta os sintomas”.

Blease, investigadora na área da saúde da Universidade de Uppsala, na Suécia, e uma das autoras do livro The Nocebo Effect: When Words Make You Sick (O efeito nocebo: quando as palavras te deixam doente, em tradução livre), estava a sentir náuseas e enjoos, tentando distrair-se com qualquer outro pensamento. E sabia que, se alguém a interrompesse, isso provocaria o efeito nocebo.

“O efeito nocebo são resultados negativos para a saúde que surgem a partir de expectativas negativas”, explica Blease.

O problema pode exacerbar a sensação de dor, ansiedade, náusea e fadiga.

Nocebo não é placebo

O efeito nocebo é a imagem espelhada negativa do placebo. Imagina um estudo médico. Um grupo recebe um medicamento real para tratar dores de cabeça. Outro grupo recebe pílulas de açúcar, sem o princípio ativo.

Quando os pacientes desse segundo grupo relatam alívio das suas dores de cabeça, os médicos dizem que estão a experimentar um efeito placebo, porque pensaram que estavam a tomar analgésicos, tal como os pacientes do primeiro grupo, e esse pensamento positivo levou a um resultado no seu tratamento. Trata-se de um fenómeno reconhecido pela medicina.

E o efeito nocebo está lentamente a ganhar reconhecimento semelhante dos profissionais de saúde, e trata-se exatamente do oposto: quando o pensamento negativo influencia os resultados de forma, claro, negativa.

Nocebo, covid e a hesitação em tomar vacinas

Durante a pandemia de covid-19, investigadores descobriram que as expectativas das pessoas antes da vacinação contra a doença poderiam estar ligadas ao que elas sentiam depois.

Uma equipa de cientistas de Israel e do Reino Unido analisou um grupo de 756 adultos israelitas com mais de 60 anos de idade. Todos tinham recebido uma dose de reforço, ou seja, uma terceira dose contra a covid-19.

“Medimos a hesitação em relação à vacina, isto é, a atitude negativa ou as expectativas em relação à vacina, e o número de efeitos colaterais relatados subjetivamente”, explica Yaakov Hoffman, autor principal do estudo e professor do Departamento de Ciências Sociais e da Saúde da Universidade Bar-Ilan, em Israel.

Publicados na revista Scientific Reports em dezembro de 2022, os resultados indicaram que as pessoas que tinham expectativas negativas antes da segunda dose tinham maior probabilidade de sofrer efeitos colaterais após a terceira.

“Quanto maior a ansiedade em relação à vacina, a sua segurança e os seus efeitos colaterais, maior a probabilidade de a pessoa experimentar efeitos colaterais”, explica Hoffman à DW.

E quando o efeito nocebo e a hesitação em relação à vacina eram combinados, segundo Hoffman, havia potencial para isso se tornar um ciclo vicioso: uma pessoa que hesitasse em tomar a vacina, talvez por ter lido sobre os efeitos colaterais na internet, teria maior probabilidade de sofrer esses efeitos.

Essas consequências seriam então registadas e relatadas pelos seus médicos. Isso, por sua vez, contribuiria para uma maior cobertura mediática sobre os efeitos colaterais e para que mais pessoas se sentissem hesitantes em relação às vacinas, e assim por diante.

Como os médicos lidam com o efeito

Conversar com os pacientes sem desencadear o efeito nocebo pode ser um desafio.”Os médicos são obrigados a não prejudicar o paciente, ou a mitigar os danos sempre que possível, mas também têm a obrigação de dizer a verdade“, disse Blease.

No caso de uma vacina com efeitos colaterais relativamente pequenos, de acordo com Hoffman, encarar o efeito nocebo de frente pode fazer sentido.

“Talvez seja melhor chamar as coisas pelo nome e dizer: ‘há uma certa percentagem dos efeitos colaterais que estás a experimentar que são efeitos nocebo. O que significa que estás realmente a experimentá-los, mas isso não significa necessariamente perigo”, diz Hoffman, que enfatiza, no entanto, que isso é apenas especulação e que mais investigações são necessárias a fim de fornecer evidências sólidas.

A importância das informações

Outros especialistas da área concordam que a forma como os médicos comunicam com os pacientes pode ajudar a evitar os efeitos nocebo.

“A maneira como os médicos conversam com os pacientes pode influenciar os resultados da terapia. Até agora, a comunicação tem sido vista principalmente como uma questão de bem-estar. Precisamos de uma maior consciencialização de como ela é crucial”, afirma Ulrike Bingel, professora de Neurociências Clínicas, que dirige uma unidade de investigação sobre dor no Hospital Universitário de Essen, na Alemanha.

Quando se trata de vacinas, por exemplo, os médicos são obrigados a divulgar todos os efeitos colaterais possíveis. Mas, em vez de fazer uma lista de efeitos colaterais que pode assustar o paciente, Bingel diz que os médicos devem conceituar os efeitos colaterais como um sinal de que o sistema imunitário está a funcionar bem.

Dessa forma, o paciente pode ter expectativas menos negativas e experimentar menos efeitos colaterais.

Efeito nocebo pode ser evolutivo

Mas como é que ideias negativas na nossa mente podem afetar o nosso corpo? Primeiro, é importante entender que o efeito nocebo é real, e não fruto da imaginação pessimista de um paciente.

“Os efeitos nocebo e placebo envolvem processos neurocientíficos complexos. Quando estás a experienciar um efeito nocebo, o teu corpo deixa de acionar os travões da dor. O teu cérebro recebe mais impulsos cerebrais e sentes mais dor”, exemplifica Bingel.

O problema é que os investigadores não conseguem explicar por que é que isso acontece. Pelo menos até agora. Mas acreditam que isso pode ter a ver com a nossa evolução.

“Era importante que os nossos ancestrais aprendessem a entrar em contacto com um animal selvagem ou uma planta venenosa. O corpo [ficava] preparado para a próxima vez”, acrescenta Bingel.

Por outras palavras, as expectativas negativas dos primeiros humanos preparavam-nos para o caso de terem de correr para salvar as suas vidas.

“O efeito nocebo pode ser uma ressaca do passado, [mas] isso é uma incompatibilidade com o ambiente médico moderno de hoje”, conclui Blease.

// DW

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