Desde a crise climática, guerras comercais e os conflitos armados na Europa e no Médio Oriente, a reeleição de Donald Trump promete trazer mudanças na política externa norte-americana.
Tudo parece indicar que Donald Trump vai mesmo voltar à Casa Branca e terá um Senado e uma Câmara de Representantes com maioria Republicana para o ajudar a governar sem bloqueios.
Com um mundo em tumulto com guerras armadas, conflitos comerciais e uma crise climática, qual será o impacto desta vitória trumpista além dos Estados Unidos?
Melhor amigo de Israel
Apesar de Kamala Harris não ter assumido uma postura muito dura contra Israel, pode-se esperar de Donald Trump um apoio ainda mais fervoroso aos israelitas. Depois de o primeiro mandato de Trump ter presenciado a mudança da embaixada dos Estados Unidos de Tel Aviv para Jerusálem e o apoio do Presidente à anexação dos Montes Golã, nada indica que esta aliança com Israel irá enfraquecer.
Trump também nomeou o seu genro Jared Kushner para mediar o conflito e apresentar um plano de paz, apesar de o marido de Ivanka não ter qualquer experiência em negociações diplomáticas árabe-israelitas e de ter negócios e ligações a bancos israelitas que puseram em causa a sua imparcialidade.
A equipa de Kushner também incluía David Friedman, um advogado com laços estreitos com o movimento de colonos judeus nos territórios ocupados. Friedman, que Trump nomeou embaixador dos EUA em Israel, questionou a necessidade de um Estado palestiniano e comparou os membros de um grupo judeu liberal crítico de Israel a colaboradores nazis.
Recentemente, Friedman especulou sobre a possibilidade de o governo israelita avançar com a anexação formal dos teritórios ocupados na Cisjordânia se Trump for eleito. Recorde-se que a Cisjordânia é reconhecida pelas Nações Unidas como parte de um futuro Estado Palestiniano e os colonatos violam a lei internacional.
A plataforma política Republicana para 2024 é parca nas palavras sobre o conflito, dedicando-lhe apenas uma frase vaga: “Vamos apoiar Israel e procurar a paz no Médio Oriente”. Contudo, Trump tem sido mais claro na campanha, vangloriando-se por ser “o melhor amigo que Israel alguma vez teve” e prometendo dar-lhe “o apoio de que precisa para ganhar, mas quero que ganhem rápido”.
Em Agosto, criticou os apelos a um cessar-fogo que considera que iria “amarrar as mãos de Israel atrás das costas” e em Julho recebeu o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu na sua casa em Mar-a-Lago, onde declarou que “Bibi tem sido muito forte“.
Vários analistas ouvidos pela The Atlantic acreditam que o foco de Trump será confrontar as ameaças do Irão e tentar melhorar as relações entre Israel e as nações áraes. John Bolton, ex-conselheiro de segurança nacional de Trump, prevê que o Kuwait e o Qatar sejam os próximos a normalizar as relações com Israel.
A administração Biden também tentou incluiu um cessar-fogo em Gaza e um compromisso de Israel para a criação de um Estado da Palestina na proposta para aproximar a Arábia Saudita e Israel, mas Bolton prevê que Trump tente separar estes assuntos na mediação das negociações.
Tensão em alta com o Irão
No seguimento do apoio incondicional a Israel, será de esperar o agravamento das tensões entre Washington e Teerão, num contexto em que o conflito em Gaza já se está a estender para o Irão e para o Líbano.
Depois de rasgar unilateralmente o acordo nuclear celebrado durante o mandato de Barack Obama e de ter presidido ao assassinato do major-general da Guarda Revolucionária do Irão Qasem Soleimani, Trump não é estranho a ficar a uma unha negra da guerra com Teerão.
Apoio à Ucrânia em risco e NATO a tremer
É provável que o apoio financeiro e militar à Ucrânia arrefeça ou acabe de todo com o regresso de Trump. Durante a campanha, o Republicano disse repetidamente que acabaria rapidamente com a guerra, mas nunca entrou em detalhes sobre como e quem sairia vencedor.
Trump também já saiu ao ataque contra o Presidente ucraniano, acusando Zelenskyy de ser “o melhor vendedor na Terra” por conseguir assegurar enormes pacotes de ajuda dos Estados Unidos. A escolha de JD Vance para o seu vice-presidente — que tem sido um dos maiores críticos do apoio incondicional de Washington a Kiev — também é um mau agoiro para os ucranianos.
O seu notório “bromance” com Putin também é outro fator que pode levar a um afastamento da Ucrânia. Recorde-se que Trump chegou até a dizer que confiou na palavra de Putin em vez da própria inteligência norte-americana sobre as alegações de que a Rússia interferiu nas eleições norte-americanas de 2016. Um livro recente de Bob Woodward também revelou que Trump enviou testes de covid para a Rússia durante o pico da pandemia como um sinal da sua amizade com o líder russo.
A estabilidade na NATO também não está garantida. Depois de em 2018 ter até sugerido que os Estados Unidos deixassem a NATO para forçar os restantes membros a aumentar a despesa com a Defesa, Trump tem suavizado o discurso em 2024, mas ainda há uma clima de incerteza no ar.
Em Fevereiro, o candidato Republicano sugeriu que encorajaria a Rússia a fazer “tudo o que quiser” a qualquer país que fosse “delinquente” porque “não cumpriu” as suas dívidas. É quase certo que a subida da meta das despesas com a Defesa volte à baila com Trump na Casa Branca.
“Paixão” por Kim Jong-un
Num clima de crescente tensão entre as duas Coreias, com troca de balões com estrume e tiros na fronteira, Trump terá um papel importante na prevenção de uma escalada para uma guerra.
O candidato Republicano falou recentemente da sua boa relação com Kim Jong-un, depois de em 2018 ter até dito que os dois se “apaixonaram”.
“Ele chamou-me coisas e depois disse ‘eu tenho um botão vermelho na minha secretária’. E eu disse ‘eu também tenho um botão vermelho, mas é maior e funciona’. E foi muito desagradável e muitas pessoas estavam preocupadas”, revelou Trump recentemente numa entrevista à Fox News.
Agora, Trump garante que é amigo do líder norte-coreano. “Dou-me muito bem com Kim Jong-un“, afirmou, frisando que Obama e Kim estiveram “perto de ir para a guerra”. “Teríamos tido uma guerra nuclear com milhões de pessoas mortas. E quando eu estava lá, eu dei-me muito bem com o Kim Jong-un”, garante.
Guerra comercial com a China e a UE
O protecionismo comercial é uma das bandeiras mais inabaláveis da campanha trumpista e tudo indica que estará de regresso. Durante a campanha, Trump prometeu trazer de volta empregos aos EUA e impor tarifas generalizadas de 10% a 20% às importações. O candidato também ameaçou impor uma taxa de 60% sobre todos os produtos provenientes da arqui-inimiga China.
As tarifas generalizadas que Trump quer impor prometem também ser uma grande dor de cabeça para a União Europeia. Diplomatas ouvidos pelo Politico garantem que a UE está pronta para reagir rápida e duramente contra quaisquer tarifas de Trump.
No entanto, publicamente, os apelos ainda são às negociações. Na reação à vitória de Trump, Ursula von der Leyen recordou os laços diplomáticos entre os EUA e a Europa. “Trabalhemos juntos numa parceria transatlântica que continue a produzir resultados para os nossos cidadãos. Milhões de empregos e milhares de milhões em comércio e investimento em cada lado do Atlântico dependem do dinamismo e da estabilidade da nossa relação económica”, frisou.
Acordos climáticos rasgados
“Sabe, quando ouço estes pobres idiotas a falar sobre o aquecimento global. Já não lhe chamam assim, chamam-lhe alterações climáticas porque, sabe, algumas partes do planeta estão a arrefecer e a aquecer, e não funcionou. Então eles finalmente acertaram, chamam-lhe alterações climáticas. Na década de 1920, eles pensaram que o planeta iria congelar. Agora eles acham que o planeta vai arder”.
Estas declarações recentes de Trump não trazem grandes esperanças para os ativistas climáticos. Sendo um cético assumido da crise climática, Trump deve retirar novamente os Estados Unidos do Acordo de Paris, que saíram em 2020 e voltaram durante o mandato de Joe Biden.
O polémico Projeto 2025 desenhado por muitos ex-conselheiros de Trump e apontado como um guião para a sua presidência sugere ainda várias outras medidas para acabar com o investimento nas energias renováveis e reforçar a aposta nos combustíveis fósseis.
O programa defende acabar com os apoios para a produção de carros elétricos em Detroid, acabar com os apoios públicos às energias renováveis e reverter uma conclusão crucial de 2009 da Agência Ambiental dos Estados Unidos de que o dióxido de carbono causa danos, uma posição que sustenta grande parte do esforço federal para controlar a poluição.
O pacote também apoia o encerramento a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica, que faz as medições das subidas de temperatura, alegando que estas medições são “um dos principais impulsionadores da indústria alarmista sobre alterações climáticas”.
Estou curioso para ver se a Tesla vai começar a fabricar carros a gasolina ou se Trump vai manter alguns apoios às novas energias para não prejudicar o grande amigo Musk. Também estou curioso para ver como Trump se vai, ou não, entender com Kim e com Xi e como vai reagir se estes tiranos invadirem os seus vizinhos.