“Praga” de reformados na China. Problema: como pagar pensões a todos?

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300 milhões de pessoas vão reformar-se na próxima década. Quem cuidará deles? A resposta depende de onde vimos, e a quem perguntamos.

“Não, não, não temos reforma”, diz o agricultor Huanchun Cao depois de uma passa no cigarro caseiro seguida de uma gargalhada rouca.

Cao pertence a uma geração que testemunhou o nascimento da China comunista e, como muitos trabalhadores rurais e migrantes, não tem outra escolha senão continuar a trabalhar e a ganhar o seu sustento, pois não pode confiar na rede de assistência social do país.

Uma economia a desacelerar, a redução de programas governamentais e a política do filho único que durou décadas criaram uma crise demográfica crescente na China de Xi Jinping.

A previdência está a deteriorar-se e o país está a ficar para trás na corrida contra o tempo para reunir dinheiro suficiente que sustente o número crescente de idosos. Na próxima década, cerca de 300 milhões de pessoas, que atualmente têm entre 50 e 60 anos, deverão sair da força de trabalho chinesa.

Cao e a esposa, casados há mais de 45 anos, vivem na província de Liaoning, no nordeste do país, o antigo centro industrial da China, onde quase um quarto da população tem 65 anos ou mais.

Um número crescente de adultos em idade ativa está a abandonar o trabalho em indústrias pesadas em busca de melhores empregos nas cidades maiores.

Os filhos de Cao também se mudaram, mas ainda estão suficientemente perto para visitar os pais com frequência.

“Acho que só poderei continuar a fazer isto por mais quatro ou cinco anos”,  confessa: “Em cinco anos, se ainda estiver fisicamente forte, talvez consiga andar sozinho, mas se estiver fraco, poderei ficar preso à cama. É isso. Fim. Suponho que me tornarei um fardo para os meus filhos. Eles terão de cuidar de mim.”

Esse não é o futuro que Guohui Tang, de 55 anos, deseja. O seu marido sofreu um acidente numa construção e a educação universitária da filha esgotou todas as suas poupanças.

Assim, para financiar o seu envelhecimento, viu uma oportunidade: cuidar de outros idosos. Abriu uma pequena casa de repouso a cerca de uma hora de Shenyang, onde porcos e gansos dão as boas-vindas nos fundos da casa térrea cercada por plantações.

Tang cultiva alimentos para preencher as refeições dos seis residentes da casa de repouso. Os animais não são de estimação — também são comida.

Tang aponta para um grupo de quatro idosos a jogar cartas enquanto o sol ilumina o pequeno jardim de inverno. “Veja aquele homem de 85 anos: não tem pensão, depende inteiramente do filho e da filha. O filho paga um mês, a filha paga o seguinte, mas também precisam de se sustentar”, sublinha, preocupada, porque também terá de depender da sua única filha.

Durante gerações, a China confiou na piedade filial para preencher as lacunas nos cuidados aos idosos, mas há menos filhos e filhas com os quais os pais idosos podem contar — uma das razões é a política do filho único, que impediu os casais de terem duas ou mais crianças entre 1980 e 2015.

Com o rápido crescimento económico, os jovens também se afastaram dos pais — deixando um número crescente de idosos a cuidar de si próprios ou dependentes de pagamentos e assistência governamental.

Mas a previdência poderá ficar sem dinheiro até 2035, segundo a Academia Chinesa de Ciências, uma agência estatal, em estimativa de 2019, antes das paralisações causadas pela pandemia que atingiram duramente a economia da China.

O país também poderá ser forçado a aumentar as idades de reforma, que são das mais baixas do mundo: 60 anos para os homens, 55 para as mulheres em ocupações de colarinho branco e 50 para aquelas em trabalhos mais manuais. Mas os economistas dizem que esta seria uma medida insuficiente para evitar o que alguns temem que possa tornar-se uma crise humanitária dentro de 25 anos.

Pequim pressiona empresas

Em Hangzhou, a vida é diferente de Liaoning.

A casa onde mora a avó Feng, com 78 anos, foi construída para abrigar mais de 1.300 residentes. Cerca de 20 jovens voluntariam-se para viver lá gratuitamente em troca de ajuda a cuidar de alguns idosos.

As empresas privadas financiam parcialmente a casa, aliviando a pressão do governo local. É uma experiência enquanto os políticos procuram soluções para uma China envelhecida.

Na cidade do sul da China, os edifícios novos e brilhantes que estão a surgir abrigam empresas tecnológicas como a Alibaba e Ant, um íman para jovens empreendedores ambiciosos.

“Pensei bem. Acabei de dar a minha casa ao meu filho. Tudo o que precisamos agora são os nossos cartões de reforma”, diz Feng, que mora num quarto com o marido na casa de repouso por cerca de 2.000 yuans (cerca de 1.400 euros) por mês.  Como ex-funcionários de empresas estatais, ambos têm reformas suficientes para cobrir os custos.

O que recebem é, no entanto, muito superior à média de reforma na China, que era cerca de 170 yuans por mês (cerca de 120 euros) em 2020, segundo a Organização Internacional do Trabalho.

Pequim tem pressionado empresas privadas a construir casas de repouso e enfermarias para preencher lacunas deixadas pelos endividados governos locais. Mas será que as empresas continuarão a investir se os lucros estiverem distantes?

Outros países da Ásia Oriental, como o Japão, também procuram fundos para cuidar de um grande número de idosos. Mas, nesse caso, o país já era rico quando começou a tornar-se uma das populações mais envelhecidas do mundo. Já a China está a envelhecer rapidamente sem esse estofo.

Assim, muitos idosos são forçados a seguir o seu próprio caminho — numa idade em que deveriam estar a planear a sua reforma.

ZAP // BBC

2 Comments

  1. Por muito que os políticos tentem não implementar o óbvio a única solução é demais conhecida, o RBI – Rendimento Básico Universal.

    Não faltam recursos no planeta para que todos os cidadãos vivam com o mínimo de dignidade, TODOS, para que esse desiderato se concretize só falta que os políticos eleitos ou não, mas os gestores de cada país cumpram com a sua obrigação, taxarem quem tem mais de 1 milhão de euros e da forma mais justa, chegando-se no máximo a taxar a 100% os lucros a partir de um determinado valor, é assim mesmo não existe alternativa, ou melhor a alternativa é a guerra entre quem nada tem e quem tudo tem.

    Nada que os bilionários não saibam, eles próprios têm sido os primeiros a pedirem que os governos os taxem e muito, o problema é que os políticos como por norma são cobardes e nunca fazem o que devem fazer acham que quem deve pagar os custos sociais dos Estados são os pobres que são a esmagadora maioria, não querem ir contra quem muito tem mesmo que sejam os próprios a pedirem, portanto enquanto tivermos os políticos cobardes a situação irá deteriorar-se até ao limite, e o limite é a revolta dos Povos, só aí os cobardes vão fazer o que já deveria estar a ser feito, distribuírem as riquezas que existem e não deixarem que se acumulem, ponto.

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