Apesar de haver quem ache que perder coisas materiais, como um carro, é apenas uma chatice, as cheias e inundações dos últimos dias vão provocar situações de “stress pós-traumático” e “episódios de stress agudo”, segundo um especialista em comportamento humano.
“Mesmo as pessoas que não perdem objectivamente nada podem ter stress. Aquelas que perdem ainda têm mais”, analisa o especialista em comportamento humano José Manuel Palma, alertando para o impacto psicológico das cheias e inundações.
O especialistas antecipa, assim, uma “percentagem muito elevada de pessoas com stress pós-traumático e com episódios de stress agudo“.
Palma refere estudos sobre desastres naturais, realizados sobretudo nos EUA, para notar que “cerca de 14 a 20% das pessoas atingidas por estes episódios podem desenvolver, e desenvolveram, stress pós-traumático, para além de formas mais mitigadas de stress”.
“As implicações disto para o sofrimento humano e para as perturbações psicológicas e comportamentais são muito grandes”, alerta ainda o especialista. Portanto, a reflexão em torno destes acontecimentos deve ir além da “questão dos buracos” nas cidades, diz ainda.
“Estamos a falar de sofrimento humano, de consequências de stress pós-traumático que podem acompanhar uma pessoa por quase toda a sua vida“, nota também o professor da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa e antigo presidente da associação ambientalista Quercus.
Ora, assinala, nem Lisboa, nem Portugal estão preparados para lidar com esse impacto, o que é visível, desde logo, “pelo espírito de segurança” em vigor, como nota.
Mensagens da Proteção Civil são “completa idiotice”
Palma critica o teor das mensagens enviadas pela Protecção Civil, que não indicam como se deve proceder.
“Não posso mandar um aviso sem dizer o que é que devo fazer. Ou seja, não basta dizer ‘ah e tal, vai chover muito’. Então e que quer dizer? Quer dizer que vou ao trabalho? Como é que eu devo funcionar?”, exemplifica.
Essas indicações concretas sobre o que fazer são “absolutamente fundamentais”, do ponto de vista da psicologia e da prevenção, percepção e análise de risco.
“Não querem mandar mensagem porque assustam as pessoas indevidamente. Isto é uma completa idiotice, porque mais vale prevenir as pessoas e depois explicar” caso não venha a ocorrer como previsto””, frisa.
“É uma estupidez pensar que o pessoal entra em pânico. O pânico é uma resposta muito específica, que acontece em ocasiões muito particulares e não acontece nestas situações”, sustenta.
“Túneis não vão resolver o problema”
Sobre a aposta da Câmara Municipal de Lisboa no Plano Geral de Drenagem, do qual está já a ser construído o primeiro túnel, em Campolide, Palma diz que, “do ponto de vista estrito da teoria da resiliência, ter soluções estruturais e fixas desse tipo é algo que supostamente não se devia fazer”, porque “a resiliência procura soluções flexíveis”.
O especialista em resiliência das cidades e das infraestruturas dá como bom exemplo a cidade holandesa de Roterdão, que, para absorver as enxurradas, cria bacias de retenção nos locais públicos, “de modo que a água seja captada em diferentes sítios sem ter de se fazer obras faraónicas, que são pouco flexíveis”.
Mesmo admitindo que era necessário “fazer aqueles grandes buracos” em Lisboa — coisa em que não acredita –, os “túneis não vão resolver o problema, porque vai sempre ter de haver soluções flexíveis e de gestão das bacias hidrográficas”, aponta.
“Temos cheias em Loures, temos cheias em Lisboa, temos cheias em todo o lado aqui à volta e esses sítios não vão ter solução nenhuma com buracos como os que se querem fazer”, antecipa.
“Como é que Lisboa consegue dar como exemplo uma obra como sendo o suprassumo da resiliência, quando, na realidade, é o contrário da resiliência, porque é uma solução fixa, não-flexível e pouco adaptável?”, questiona Palma que foi consultor ambiental da autarquia da capital aquando da elaboração do Plano Director Municipal.
ZAP // Lusa