“Um nunca acabar de festas” chilenas durou dois meses e culinou num ápice, que seria a última festa da monarquia . Aconteceu uma semana antes da instauração da República — “o último suspiro” do reinado d’O Magnânimo.
Corre nos livros de História a seguinte anedota sobre o então imperador do Brasil Dom Pedro II: ao chegar ao baile que veio a ser o último do seu reinado e da monarquia, no dia 9 de novembro de 1889, tropeçou ao entrar no salão. Ao se reerguer, disse, em tom de brincadeira: “a monarquia tropeça, mas não cai”.
Não se sabe se a cena de facto aconteceu, mas tornou-se uma metáfora perfeita daquele momento. A monarquia caiu menos de uma semana depois, com a proclamação da República.
O baile da Ilha Fiscal, o último e o maior do período imperial, tornou-se tão emblemático que virou quase uma expressão idiomática — é evocado quando se quer descrever uma grande celebração antes de um fim.
“Um nunca acabar de festas” com os jornais atentos
O baile da Ilha Fiscal foi o ápice das chamadas “festas chilenas”. No ano de 1889, durante dois meses, as autoridades brasileiras receberam oficiais do navio chileno Almirante Cochrane, que visitavam o país em viagem diplomática.
Foram dias e dias de jantares, passeios turísticos às montanhas, corridas de cavalo e regatas — “um nunca acabar de festas”, como descreveu um cronista — que mobilizaram a elite carioca.
O baile seria o mais opulento desses eventos. De acordo com um dos artigos do livro Festas Chilenas, só o banquete custou 250 contos de Réis, quase 10% do orçamento da Província do Rio.
A imprensa fez uma farta cobertura, em grande parte de forma crítica, do evento. “O baile aconteceu muito nos jornais”, diz Claudia Beatriz Heynemann, investigadora do Arquivo Nacional e organizadora do livro Festas Chilenas juntamente com Jurandir Malerba e Maria do Carmo Rainho.
Os veículos de comunicação descreviam diariamente os eventos e os preparativos para as festas, e os republicanos questionavam e ironizavam os luxos e gastos.
República já sussurrava nos corredores
Naquele momento, os movimentos que se tornaram favoráveis à República já corriam, diz Angela Alonso, professora associada do Departamento de Sociologia da USP e pesquisadora do Cebrap, autora de livros e ensaios sobre a República.
Uma série de crises acumulavam-se. “A questão não era se a monarquia ia cair, era quando”, diz, antes de listar alguns fatores: desde 1888, o Partido Republicano já tinha representação forte em vários Estados; havia um grupo considerável de pessoas da elite urbana e latifundiários que queriam mais representação política; ao mesmo tempo, os militares, que haviam vencido a Guerra do Paraguai, queriam mais espaço, e ficavam cada vez mais insubordinados.
Para piorar ainda mais a situação da monarquia, o último gabinete ministerial havia sofrido uma série de acusações de corrupção, conta Alonso. Por causa disso, opina a professora, a opulência das festas organizadas para os chilenos caiu especialmente mal na imagem pública do governo.
Enquanto a elite passeava com os chilenos, já estava em marcha a articulação entre militares e civis republicanos que levaria à deposição de Dom Pedro, diz o historiador Jurandir Malerba.
No livro Castelo de Papel, Mary Del Priore diz que num jantar para os chilenos no palácio do príncipe Pedro Augusto, neto de Dom Pedro II, a monarquia estava “cercada por aqueles que apostavam na sua sucessão”.
“No cardápio, faisão trufado, foie gras e costeletas de pombo à Pompadour.”
O baile da Ilha Fiscal
A última festa da monarquia foi também a maior que aconteceu nos 67 anos do Império brasileiro.
“Depois de alguns anos festanços, Dom Pedro II passou 30 anos sem dar festas, quando de repente concedeu aquele baile nababesco. Isso teve um valor simbólico. Alguns interpretam-no como ‘o canto do cisne’, o último suspiro do seu reinado”, diz Malerba.
O baile aconteceu na Ilha Fiscal, pequena ilha na Baía de Guanabara pertencente à Marinha. A construção na ilha também é chamada por alguns de “castelinho” devido ao seu estilo arquitetónico.
Foram convidadas cerca de 3 mil pessoas, mas somaram-se a elas mais uns mil, escreve o jornalista Laurentino Gomes no livro 1889. Na lista estava toda a elite económica e política.
A festa começava no cais, onde uma banda entretinha os convidados que esperavam para embarcar no barco que os levaria à ilha. Ali também se concentraram os excluídos da festa, curiosos por ver os convidados e assistir às queimas de fogos.
As milhares de lâmpadas e velas que iluminavam a ilha formavam um espetáculo descrito pelo narrador do romance Esaú e Jacó (1904), de Machado de Assis, como uma “cesta de luzes no meio da escuridão tranquila do mar”.
No início da noite, foi servido um banquete com uma enorme lista de pratos de ingredientes sofisticados e diversos tipos de vinho. Aqui ficam alguns números registados no livro Festas Chilenas:
“Entre copeiros, trinchadores, cozinheiros e ajudantes foram mobilizados 300 funcionários. Registam-se 12 mil garrafas de vinho, champanhe e outras bebidas; 12 mil gelados; a mesma quantidade de taças de ponche, 500 pratos de doces variados. Serviram-se ainda 18 pavões, 80 perus, 300 galinhas, 350 frangos, 30 fiambres, 10 mil sanduíches, 18 mil frituras, mil peças de caça, 50 peixes, 100 línguas, 50 maioneses e 25 cabeças de porco recheadas.”
Algumas horas depois do jantar, começou a dança. Cada salão oferecia um tipo de música diferente. Seis bandas tocaram.
A festa acabou com o sol a raiar. Para o deleite dos jornais dos dias seguintes, dizem os livros, durante a limpeza foram encontrados todo o tipo de objetos, como peças íntimas de mulheres.
A família imperial chegou por volta das 21h. Dom Pedro II teria dançado uma só vez. Foram embora às 3h.
No “dia seguinte”, o Progesso
“Mais importante do que o baile em si foi o dia seguinte”, diz Claudia Heynneman.
A investigadora conta que os jornais dedicaram várias edições a criticar o excesso de luxo. Os gastos reforçaram a imagem da monarquia como uma instituição distante da sociedade.
“Até o facto de o baile ter decorrido numa ilha, ou seja, longe da população, reforçava essa ideia”, diz Alonso.
Mas “o facto de o baile ter acontecido logo antes do fim da monarquia foi uma casualidade” — os fatores que levaram à Proclamação da República já estavam bem assentes.
“Ainda assim, o baile é muito significativo porque foi uma representação da alienação da monarquia. Enquanto eles festejavam o país estava a fervilhar”, diz Alonso.
“Depois do baile da ilha Fiscal”, escreve Del Priore, “um relógio invisível bateu as horas. Os últimos acordes da festa marcaram alegremente o enterro de um mundo do qual muitos não queriam mais ouvir falar. Os ponteiros da história empurraram o fim do império brasileiro. E anunciaram o início do que, se acreditou, fosse o progresso”.
// BBC
As monarquias do século XIX podiam ter muitos defeitos, sendo um dos maiores, o fausto a que ainda se entregavam, mas faltou referir que um dos grupos sociais mais interessados no afastamento de D. Pedro II foram os esclavagistas (esses tais latifundiários referidos no artigo) que, para manterem o seu sombrio negócio, não se inibiram de apoiar a implantação da República e, assim, correrem com aquele que mais se opunha à escravatura. Assim o Brasil se tornou no último país a abolir a escravatura.
Costeletas de POMBO recheadas ? será que estou a ler bem … Não seriam antes de AVESTRUZ ,pois estas teriam mais carne para “trincar ” !