Ficámos sem ideias novas? Ou preferimos relembrar e revisitar as coisas que já conhecemos e adoramos? Os “bons velhos tempos” são mais do que um sentimento difuso.
Por cá temos os Excesso, os D’zrt, os Morangos com Açúcar ou o Dragon Ball.
Lá fora há Blur, The Cure, Barbie ou Tartarugas Ninja,
A cultura pop, lá como cá, tem acumulado recuperações de algo que tem vários anos, ou mesmo várias décadas.
E resulta. Basta ver a rapidez com que os Excesso esgotam uma sala, ou os recordes que Barbie tem superado nas salas de cinema.
Teremos ficado sem ideias novas? Ou será que preferimos relembrar e revisitar as coisas que já conhecemos e adoramos?
Questões que a National Geographic levanta, num artigo que se centra na nostalgia. Aquele recordar o passado com carinho e saudade – tão típico em Portugal.
E isto é muito mais do que evocar sentimentos de carinho difusos do nosso passado (que só isso já nos faz sentir bem).
Consumir conteúdos nostálgicos de todos os tipos “faz-nos pensar em quem somos e ajuda-nos a perceber o nosso propósito na vida”, explica a professora de psicologia Krystine Batcho.
A nostalgia traz aconchego, ternura, pertença e até uma espécie de viagem mental no tempo, acrescenta a também professora Ziyan Yang.
Na verdade, tudo isto pode levar-nos a procurar o sentimento de nostalgia. Nós procuramos a nostalgia.
Esse regresso ao passado pode ser um momento reconfortante emocionalmente, que sobretudo suaviza fases mais difíceis das nossas vidas; o cinema e a música ajudam nisso.
E também satisfazem uma necessidade cognitiva: aumentam a crença de que “as coisas vão melhorar porque já foram boas”, disse Batcho.
E porquê agora?
Por causa da COVID-19. Há especialistas que acreditam que esta vaga nostálgica apareceu por causa da crise que a pandemia criou. Ajuda-nos a sentir melhor.
Mais do que isso: ajuda-nos a processar a nossa situação actual.
“A nostalgia é uma forma de lidar com coisas como o isolamento social e a desconexão, a solidão”, acrescentou Batcho.
A adversidade desencadeia nostalgia porque “recordarmo-nos de quem éramos ajuda-nos em termos de continuidade identitária”.
A nível psicológico, a nostalgia até acaba por cumprir finalidades importantes: a necessidade de termos controlo sobre as coisas (pelo menos o nosso desenvolvimento parece que estamos a controlar), sentimento de conexão social, apoio social e emocional – incluindo pessoas do nosso passado.
O regresso à infância é compreensível: na infância, éramos amados simplesmente por quem éramos.
Nostalgia no cérebro
A nível neurológico, a nostalgia também mexe com o cérebro, quando aumenta a nossa sensação de bem-estar, promove a inspiração e a criatividade, faz-nos sentir mais jovens, alertas, optimistas, enérgicos e até quando nos encoraja a correr riscos e a perseguirmos os nossos objectivos.
A equipa de Yang realizou um estudo que concluiu que a nostalgia pode reduzir a nossa percepção da dor e melhorar a nossa capacidade de detectar ameaças.
Quem pensa em algo nostálgico tem mais actividade cerebral quando lia palavras ameaçadoras.
As zonas do cérebro ligadas à auto-regulação, à memória auto-biográfica, à regulação emocional e ao processamento de recompensas, também são activadas num momento de nostalgia. Ou seja, a nostalgia protege-nos contra várias ameaças físicas e psicológicas.
Filtro cor-de-rosa
O cérebro parece que está programado para ansiar pela nostalgia – e as partes boas são as que ficam mais.
As recordações vão ficando mais positivas com o passar do tempo. Mesmo as memórias de momentos maus tornam-se menos más, meses ou anos depois. O negativo vai suavizando, ou mesmo desaparecendo; fica o positivo.
É um processo evolutivo, explica Batcho: “Recordar as coisas como sendo melhores do que foram cumpre um propósito evolutivo”.
E a maternidade surgiu na conversa, entre sorrisos: “Se as pessoas se lembrassem das coisas de uma forma mais fiel à realidade, a maioria das mulheres nunca queria ter mais do que um filho”.
“É uma função da sobrevivência das espécies: conseguirmos dourar as partes más do passado”.
Boa ou má?
A nostalgia, no geral, é positiva. É um componente saudável e até essencial da experiência humana.
Passa a ser negativa, ou algo preocupante, quando uma pessoa fica presa ao passado e só vive de memórias.