As parcerias têm como objetivo acompanhar os utentes que não têm médico de família no SNS, mas o diploma reserva o direito dos privados de recusar os utentes. Este detalhe levanta preocupações sobre a possível rejeição dos pacientes que precisam de cuidados mais caros.
Apesar de ser uma das alternativas previstas pelo governo para colmatar a falta de médicos de família no Serviço Nacional de Saúde (SNS), as unidades de saúde privadas ou de entidades do setor social vão poder recusar atender utentes.
Segundo o Expresso, a proposta do executivo prevê uma “escusa de inscrição de qualquer utente ou da sua manutenção na lista de utentes mediante requerimento fundamentado”, mas não especifica os critérios que podem justificar a recusa.
Questionado pelo Expresso sobre os fundamentos, o Ministério da Saúde avança que está poderá ser aplicada só a quem já tem médico de família no SNS. No entanto, esta resposta contraria o que está escrito no diploma, que refere que a recusa abrange “qualquer utente”.
Esta situação está a levantar questões sobre se o plano dos privados é ficar apenas com os utentes mais saudáveis e que acarretam menos custos, deixando o SNS sobrecarregado com a população mais doente e com tratamentos mais caros — especialmente tendo em conta o facto de que o critério para a escolha das parcerias com os centros de saúde privados será o preço mais baixo.
“A condição de ‘requerimento fundamentado’ poderá não ser suficiente, na medida em que se desconhece o que preenche esse critério para que seja aceite a exclusão de um utente. Os elementos de custo esperado, associados a maior necessidade de cuidados, será motivo válido?”, questiona Pedro Pita Barros, economista de saúde.
Os profissionais contratados para estas unidades privadas também não podem ter vínculo ao SNS nos últimos três anos, o que pode limitar a adesão de profissionais experientes. A liberdade de gestão e a remuneração por capitação também distinguem este modelo do público, permitindo às USF-C maior flexibilidade, mas levantando preocupações sobre a qualidade dos serviços prestados.
O presidente da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar, André Biscaia, critica o modelo, argumentando “se o preço é o barato, vai pagar a qualidade”. “São unidades que visam o lucro, a sua maximização, e em saúde isso só se consegue à custa da qualidade”, refere, sublinhando a necessidade de se definirem “indicadores de qualidade e acessibilidade”.
Biscaia critica ainda a proibição de vínculos ao SNS nos últimos três anos. “Só sobram os recém-especialistas, que preferem, por exemplo, horários flexíveis que as USF-B não podem dar, mas as USF-C podem. Está-se a asfixiar o SNS e a dar melhores condições aos privados com dinheiro público”, atira.
Apesar das críticas, o Ministério da Saúde defende a medida como uma solução eficiente para ampliar a cobertura de cuidados de saúde. A tutela destaca que as USF-C serão monitorizadas e terão que cumprir critérios de qualidade semelhantes às USF-B do SNS. No entanto, a prioridade dada ao critério de preço mais baixo na seleção das propostas para gerir estas unidades levanta dúvidas sobre o impacto no acesso e na qualidade dos serviços de saúde.