Há 30 anos, Cavaco Silva chegou à Figueira da Foz para falar “olhos nos olhos” aos congressistas e no dia seguinte foi eleito presidente do PSD, numa inesperada reviravolta que continua a garantir não ter sido planeada.
Com João Salgueiro dado como vencedor antecipado do XXI Congresso do PSD e “desgostoso com a situação em que estava o PSD”, Cavaco Silva relata na sua autobiografia política que chegou a pensar não ir à Figueira da Foz.
“Acabei por dizer à minha mulher que íamos à Figueira da Foz, aproveitava para fazer a rodagem do carro – tinha acabado de trocar o BMW por um Citroen – fazia uma intervenção dizendo aos congressistas o que pensava e, no segundo dia, regressaríamos a Lisboa”, conta o agora Presidente da República na sua autobiografia.
Tenso e receoso da reação dos congressistas, Cavaco Silva acabou por subiu ao palco do salão do casino na manhã de 18 de maio. Perante uma sala cheia e “uma expetativa de cortar à faca”, pediu para não ser interrompido e anunciou que iria dizer “com os olhos bem nos olhos” o que pensava sobre as eleições presidenciais.
No final, fortes aplausos a um “brilhante e incisivo discurso”, segundo o relato da edição de 19 de maio do jornal Dia.
Com alguma confusão instalada e o congresso dividido entre o apoio e a recusa da ideia defendida por Cavaco Silva de uma negociação do apoio à candidatura de Freitas do Amaral a Belém, os bastidores começaram a agitar-se e surgiram pressões para o antigo ministro das Finanças do Governo de Francisco Sá Carneiro avançar contra João Salgueiro na luta pela liderança do partido.
Cavaco Silva faz depois ainda uma segunda intervenção no congresso, para explicitar a sua proposta, sublinhando que não defendia um apoio incondicional a Freitas do Amaral, mas sim a negociação, “em posição de força e sem complexos”, das condições que o PSD considerava essenciais.
Entretanto, como Cavaco Silva não tinha apresentado nenhuma moção de estratégia ao congresso, os subscritores de quatro textos em discussão juntaram-se e substituíram-nos por uma ‘moção-síntese’ de apenas duas páginas, juntando as ideias base do discurso do professor de economia.
Manuel Dias Loureiro estava entre os mais ativos na defesa de uma candidatura à presidência do PSD, mas Cavaco Silva confessava-se “hesitante”.
Com o avançar das horas, a sua resistência foi-se “esbatendo”: “havia uma teia que se ia tecendo à minha volta, já fora do meu controlo, ia-me prendendo“, refere o atual chefe de Estado, admitindo que às tantas se chegou “ao ponto de não retorno”.
Depois de concluída a difícil tarefa de elaboração das listas de candidatos aos diferentes órgãos do partido e de uma primeira indicação dada pela vitória da moção de estratégia apoiada por Cavaco Silva – por uma margem de apenas 18 votos – os congressistas abandonaram o congresso já na madrugada do dia 19 de maio.
Na manhã seguinte, Cavaco Silva recebe pelo telefone a notícia de que tinha vencido João Salgueiro por uma diferença de 57 votos.
“Depois de forte aplauso, Aníbal Cavaco Silva atravessou a sala principal do Casino Peninsular da Figueira da Foz, subiu os poucos degraus de acesso ao palco e tomou um lugar, ao lado de Fernando Nogueira e Eurico de Melo. Foi nesse cenário que o ministro das Finanças de Sá Carneiro foi recebido e, simultaneamente, empossado como líder do PSD.
Após quatro anos de afastamento da vida interna do partido, Cavaco Silva chegou, viu e venceu“, contava o jornalista Norberto Gouveia na edição de 24 de maio do jornal O Tempo.
Trinta anos depois, as opiniões continuam a dividir-se sobre a intencionalidade da “rodagem” de um Citroen BX que terminaria na conquista da liderança do PSD.
Cavaco Silva continua a garantir que não tem qualquer fundamento a ideia de uma “conspiração” ou “golpe”.
“Eu não fora lá para ser escolhido líder, contrariamente ao que muitas vezes se tem escrito. No fundo, eu era presidente do PSD mais por força de circunstâncias que não tinha controlado do que por opção, por escolha deliberada. Não era a concretização de um objetivo de vida. Isso tinha sido a minha ascensão a professor catedrático“, assegura na sua autobiografia.
/Lusa
Se tratou o Citroen como trata a Presidência da República, pobre carro!!