Antes dos resultados oficiais das eleições norte-americanas, os meios de comunicação encarregam-se de anunciar quem venceu. Uma convenção com vantagens — e desafios e manipulação à mistura.
Sendo os Estados Unidos frequentemente classificados como a democracia mais antiga do mundo, não é surpresa que um sistema construído sobre convenções e tradições tenha as suas excentricidades.
Uma delas, mantida desde 1848, é o papel da imprensa em “anunciar a corrida” (“call the race”) em milhares de eleições por todo o país, ou seja: informar sobre quem será declarado vencedor pelas autoridades oficiais.
Quando a tradição começou, não havia Internet, televisão ou rádio, e o telégrafo estava apenas a começar a ser utilizado. Sem autoridade federal para coordenar as eleições, os jornalistas decidiram assumir essa função, começando pela agência de notícias Associated Press (AP), que comunicava os resultados a nível nacional.
Embora o número de agências e a tecnologia tenham aumentado desde o século XIX, o papel da imprensa como relatadora eleitoral não oficial continuou a fornecer a estimativa mais rápida de quem será o próximo presidente americano.
Mas o sistema tem os seus entraves: no século XXI, os eleitores que chegam às urnas na costa oeste do país talvez já saibam alguns resultados da costa leste.
É uma forma de manipulação da noite de eleições: declarar um vencedor enquanto as urnas estão abertas desencoraja o eleitor comum de comparecer às urnas — ou encoraja-o a, possivelmente, mudar de intenção de voto.
Quem viu a premiada série de 2023 da HBO, “Succession” (spoiler alert), pode perceber exatamente como essa manipulação acontece, quando a fictícia gigante da comunicação ATN “calls the race” a favor do candidato que tinham prometido apoiar, o radical de extrema-direita Jeryd Mencken.
Por outro lado, certos estados – especialmente os “swing states” (estados oscilantes), cujo papel será decisivo – podem ter de esperar dias até que os seus votos sejam meticulosamente contados.
Informação nas mãos da NEP e da AP VoteCast
Os 50 estados e a capital, no Distrito de Columbia, são responsáveis pela realização dos escrutínios para a Presidência, o Senado e a Câmara dos Representantes dentro dos seus limites. Os resultados são anunciados oficialmente por cada estado; porém, a comunicação social compila tudo para o seu público através de uma combinação de resultados oficiais ao vivo, sondagens e um conhecimento profundo do mosaico de regras eleitorais e tendências históricas americanas.
Desde 1990, a maioria das organizações de imprensa americanas forma a associação National Election Pool (NEP), que utiliza dados de sondagens à boca das urnas para transmitir aos parceiros jornalísticos atualizações em tempo real de todas as votações realizadas. A NEP continua a existir, transmitindo dados para os canais ABC, CBS, CNN, NBC e para a agência Reuters, através da empresa de pesquisa de mercado Edison Research.
Em 2016, porém, a Associated Press separou-se deste grupo para criar o seu próprio produto, AP VoteCast, atualmente utilizado por diversos órgãos, como a Fox News, NPR, PBS, Univision, USA Today e o The Wall Street Journal. A DW divulga os seus resultados em parceria com a Associated Press.
Embora cada uma destas associações empregue metodologias diferentes, o princípio é o mesmo: anunciar o resultado quando estiver claro que o candidato na frente já não pode ser ultrapassado naquela votação.
Ao utilizar todos os dados para anunciar corretamente o vencedor, esta convenção jornalística também representa uma certa proteção contra candidatos declararem vitória de forma prematura. Por outro lado, também ajuda a manter a confiança no sistema eleitoral — a qual tem decaído significativamente.
Sondagens, intenções de voto e o anúncio do vencedor
Joe Lenski, cofundador e vice-presidente executivo da Edison Research, explica como é possível à comunicação social afirmar que um candidato venceu num determinado estado, se não há uma declaração oficial na noite da eleição: “Tudo o que relatamos é extraoficial, mas tem uma fonte oficial.”
Mais de três mil funcionários da sua empresa enviam para a equipa central os resultados das apurações, seja de mesas de voto em cidades pequenas ou de grandes centros estaduais.
Além disso, realizam sondagens à boca das urnas — simplesmente perguntando aos eleitores em quem votaram, logo após saírem da cabine, para obter uma impressão direta. Estes e outros dados são inseridos num modelo computacional que ajuda a determinar quando a disputa está decidida.
Dependendo das sondagens, pode demorar alguns dias até que certos estados apresentem resultados claros. Entre tantas disputas renhidas, o que pode acontecer é que algum órgão de comunicação se distancie da NEP ou da AP VoteCast e anuncie os resultados mais cedo: seria altamente atípico, mas cada meio de comunicação tem autonomia editorial para tomar as suas próprias decisões.
ZAP // DW