“Cadáver” estelar dá sinais de vida com erupções inéditas

Robert L. Hurt/Caltech/IPAC

Representação artística de AT2022tsd, uma explosão numa galáxia distante. A imagem mostra uma explicação possível: um buraco negro a acretar matéria de um disco e a alimentar um jato. A variação na direção do jato pode produzir os flashes rápidos observados.

Um “cadáver” estelar ativo foi a fonte provável de repetidos surtos energéticos observados ao longo de vários meses — um fenómeno que os astrónomos nunca tinham visto antes, relata nova investigação da Universidade de Cornell.

O estudo, publicado a 15 de novembro na Nature, verificou que este “cadáver” forneceu a energia após a morte explosiva de uma estrela distante.

Os flashes brilhantes e breves — tão curtos quanto alguns minutos de duração e tão poderosos quanto a explosão original 100 dias depois — apareceram no rescaldo de um tipo raro de cataclismo estelar que os investigadores se propuseram a encontrar, conhecido como LFBOT (sigla inglesa para “luminous fast blue optical transient”).

Desde a sua descoberta em 2018, os astrónomos têm especulado sobre o que poderá estar na origem de tais explosões extremas, que são muito mais brilhantes do que os fins violentos pelo qual as estrelas massivas normalmente passam, mas que se desvanecem em dias em vez de semanas.

A equipa de investigadores pensa que a atividade anteriormente desconhecida, que foi estudada por 15 telescópios em todo o mundo, confirma que o “motor” deve ser um “cadáver” estelar: um buraco negro ou uma estrela de neutrões.

“Não pensamos que mais nada possa produzir este tipo de erupções”, disse Anna Y.Q. Ho, professora assistente de astronomia na Faculdade de Artes e Ciências da Universidade de Cornell.

“Isto resolve anos de debate sobre o que está na origem deste tipo de explosão e revela um método invulgarmente direto de estudar a atividade dos cadáveres estelares”, afirmou.

Ho é a primeira autora do artigo científico, com mais de 70 coautores que ajudaram a caraterizar o LFBOT oficialmente rotulado AT2022tsd e apelidado de “diabo da Tasmânia”, e os subsequentes pulsos de luz vistos a cerca de mil milhões de anos-luz da Terra.

Ho escreveu o software que assinalou o evento em setembro de 2022, enquanto filtrava meio milhão de mudanças, ou transientes, detetadas diariamente num levantamento de todo o céu realizado pela ZTF (Zwicky Transient Facility), com sede no estado norte-americano da Califórnia.

Depois, em dezembro de 2022, enquanto monitorizava rotineiramente a explosão que se desvanecia, Ho e os colaboradores Daniel Perley, da Universidade John Moores em Liverpool, Inglaterra, e Ping Chen, do Instituto Weizmann de Ciência, em Israel, reuniram-se para rever novas observações realizadas e analisadas por Ping — um conjunto de cinco imagens, cada uma com a duração de vários minutos. A primeira não mostrava nada, como se esperava, mas a segunda captava luz, seguida de um pico intensamente brilhante na imagem do meio que rapidamente desvaneceu.

“Ninguém sabia o que dizer”, recorda Ho. “Nunca tínhamos visto nada assim antes — algo tão rápido e com um brilho tão forte como o da explosão original meses depois — em nenhuma supernova ou FBOT. Nunca tínhamos visto isso, ponto final, em astronomia”.

Para aprofundar a investigação sobre o abrupto aumento de brilho, os investigadores envolveram parceiros que contribuíram com observações de mais de uma dúzia de outros telescópios, incluindo um equipado com uma câmara de alta velocidade.

A equipa passou a pente fino os dados anteriores e trabalhou para excluir outras possíveis fontes de luz. A sua análise acabou por confirmar pelo menos 14 impulsos de luz irregulares durante um período de 120 dias, provavelmente apenas uma fração do número total, disse Ho.

“Surpreendentemente, em vez de desvanecer de forma constante, como seria de esperar, a fonte voltou a brilhar por breves instantes — e de novo, e de novo”, disse. “Os LFBOTs já são uma espécie de evento estranho e exótico, por isso este foi ainda mais estranho”.

Os processos exatos que estiveram em ação — talvez um buraco negro a canalizar jatos de material estelar para o exterior a uma velocidade próxima da da luz — continuam a ser estudados. Ho espera que a investigação avance com objetivos de longa data para mapear como as propriedades das estrelas, em vida, podem prever a forma como vão morrer e o tipo de cadáver que produzem.

No caso dos LFBOTs, a rotação rápida ou um forte campo magnético são provavelmente componentes chave dos seus mecanismos de lançamento, disse Ho. É também possível que não sejam supernovas convencionais, mas sim desencadeadas pela fusão de uma estrela com um buraco negro.

“Poderemos estar a assistir a um canal completamente diferente para os cataclismos cósmicos”, disse.

As explosões invulgares prometem dar uma nova visão dos ciclos de vida estelares, normalmente só vistos em instantâneos de diferentes fases – estrela, explosão, remanescentes – e não como parte de um único sistema, disse Ho. Os LFBOTs podem representar uma oportunidade para observar uma estrela no ato de transição da vida para a morte.

“Porque o cadáver não fica ali sem fazer nada, está ativo e a fazer coisas que podemos detetar”, disse Ho. “Pensamos que estas erupções podem estar a vir de um destes cadáveres recém-formados, o que nos dá uma forma de estudar as suas propriedades depois da sua formação.”

// CCVAlg

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