Cabo com menor rigidez terá originado acidente do Elevador da Glória

4

Miguel A. Lopes / LUSA

Acidente no Elevador da Glória, Lisboa

O tipo de cabo do elevador foi trocado há seis anos. O facto de a Carris não ter considerado uma fixação diferente quando fez as alterações terá contribuído para o acidente.

O relatório preliminar do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF) deu algumas pistas sobre o que poderá ter dado origem ao acidente do Elevador da Glória.

Como o cita o Expresso, o cabo soltou-se, os travões não atuaram e a carruagem não aguentou o embate e ficou totalmente destruída a 60 km/h. Correu tudo mal.

A primeira constatação do GPIAAF no relatório é que “o cabo que unia as duas cabinas cedeu no seu ponto de fixação dentro do trambolho superior da cabina nº 1”.

Mas, na origem do problema, terá estado a mudança do tipo de cabo utilizado no ascensor.

Com base no relatório, especialistas ouvidos pelo Expresso apontam, em concreto, uma alteração feita há seis anos, quando se substituiu um cabo totalmente em aço por um formado por seis cordões de aço com “alma em fibra”.

O núcleo do cabo passou, então, a ser constituído por uma “corda” que se “deformou” de forma irreversível quando foi apertada e que continuou a deformar-se ao longo dos meses, perdendo volume e levando o cabo a soltar-se.

Isso fez, depois, com que o cabo que suporta o ascensor se tenha soltado do trambolho, a peça onde é amarrado.

“Existiu efetivamente a troca do cabo que era de aço e passou a ser um de alma de fibra (possivelmente polimérica), mudando o interior (core) para uma rigidez muito inferior.

“Isso implica uma mudança de sistema “. Após uma alteração destas, a amarração deve ser repensada, explicou Pedro Amaral, engenheiro de materiais.

Fernando Branco, professor catedrático de engenharia civil do Instituto Superior Técnico (IST), concorda com esta tese: “se se muda o cabo, o sistema de amarração também tem de ser testado”.

Novo cabo mais frágil. Com aço não aconteceria

Com as novas características, ao longo do tempo, o cabo terá perdido resistência ao aperto feito no trambolho.

Além disso, explicou o especialista, há outros fatores a ter em conta: as elevadas temperaturas potenciadas pela vibração e fricção dos materiais; e o facto de o cabo ser constituído por 2 elementos com comportamentos físicos diferentes.

“Quando se aperta num primeiro momento, fica tudo apertado, mas depois é preciso olhar para o fator tempo. Há dilatações, vibrações e a compatibilidade entre ambos os materiais é diferente do que se fosse aço com aço”, detalhou. “Um cabo de alma em fibra começa a deformar-se. A certa altura já não está apertado”, acrescentou.

Como explicou Pedro Amaral ao semanário, “quando há cedência, existe uma deformação que é irreversível.

No entanto, o mesmo não aconteceria se o cabo fosse totalmente em aço.

Travões “absolutamente inconcebíveis”

Segundo o GPIAAF, o guarda-freio acionou depois o travão pneumático e o travão manual.

No entanto, segundo o relatório, na configuração existente, os freios não têm a capacidade suficiente para imobilizar as cabinas em movimento quando não estão ligadas pelo cabo.

Num artigo de opinião citado pelo Expresso, Henrique Oliveira e Luís Melo, professores dos departamentos de Matemática e Física do IST, apontam esses “erros graves de conceção”, como “talvez aceitáveis no início do século XX, mas absolutamente inconcebíveis nos dias de hoje”.

Afinal, os “travões nunca dispuseram da capacidade necessária para imobilizar autonomamente os veículos em caso de falhas no cabo”, embora os especialistas saibam que não é difícil conceber um sistema eficaz.

Fernando Branco considera que esta é “a maior perplexidade da tragédia”.

“Trata-se de uma falha de conceção grave ninguém ter percebido que o sistema de travagem afinal não tinha capacidade para aguentar com o ascensor se o cabo se partisse. Choca-me muito”, lamenta o especialista.

Outra das explicações possíveis a contribuir para o desastre de 3 de setembro é a existência de óleo em excesso que possa ter afetado um dos sistemas de freios.

Pedro Amaral diz que o ruído que se ouve nos vídeos do dia do acidente revela que o “sistema de travões não estava a ser efetivo” a travar o ascensor.

“Haver óleo é uma hipótese que reduziria a capacidade de travagem contra as paredes da calha”. admite Fernando Branco. No entanto, “o relatório não refere esse aspeto”, sublinha.

ZAP //

4 Comments

Responder a Joca Cancelar resposta

Your email address will not be published.