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O contexto invulgar (e nobre) que colocou Borja Valero no Lebowski

CS Lebowski

Borja Valero no meio de pessoas do CS Lebowski

Espanhol ex-Fiorentina anunciou o final da sua carreira de futebolista. Mas vai jogar por um clube da sexta divisão, que pertence totalmente aos sócios e que assume compromisso social.

Borja Valero anunciou no dia 30 de junho, dia do final de contrato com a Fiorentina, que não voltaria a jogar futebol enquanto profissional. Mas vai voltar aos relvados…num clube amador, da sexta divisão nacional de Itália.

A mudança surpreendente começou com uma brincadeira: o Centro Storico Lebowski, clube que frequentemente publica vídeos ou imagens com toque de humor, publicou uma imagem na qual Borja Valero aparecia vestido com a camisola do clube.

Comunicado a brincar

Pouco depois, um comunicado oficial a reagir aos rumores sobre essa eventual contratação. Rumores de “jornalistas preconceituosos e ruins (sem citar nomes, Benedetto Ferrara)”. E transferência negada “categoricamente”.

Porquê? Porque o jogador não se enquadra nos parâmetros do clube “do ponto de vista das características humanas”.

“Nós seguimos os escrúpulos do futebol moderno, aplicando consistentemente as suas regras duras e as suas receitas implacáveis: individualismo, exasperação, egoísmo, resultados a todo custo, transformação de adeptos em meros consumidores. Por isso, como nos poderíamos interessar por um jogador sincero, sensível e humilde, inteligente, ligado à camisola que veste, sabendo que, quando joga, representa uma comunidade, e capaz de se colocar à disposição do grupo?”, questionou o Lebowski.

Sim, o comunicado também era uma brincadeira.

Anúncio e novo comunicado

Borja Valero foi mesmo confirmado como jogador do CS Lebowski. O anúncio oficial foi dado num vídeo, nesta quarta-feira, no qual se vê Borja como mais um adepto «normal» do clube.

No dia seguinte, novo comunicado, desta vez a justificar a já confirmada contratação: “Milhares de pessoas vão dizer algo sobre o Borja Valero ser jogador do Lebowski. Haverá entusiasmo, elogios, críticas, críticas, perguntas como «Quanto é que ele vai receber?», ou frases como «Agora vocês têm que ganhar» e por aí em diante. Normal. Faz parte do jogo”.

“Mas essa questão só faz sentido se for interpretada da maneira certa, primeiro de tudo por nós, membros e adeptos. Borja no Lebowski é como se um dia tivéssemos que construir o nosso estádio e algum génio da arquitetura internacional fizesse o projeto, que passou a ser concretizado pelos melhores carpinteiros e operários”, lê-se no início do comunicado, que faz referências à arquitetura, à literatura, ao cinema, à música

Mais abaixo, destaca-se a diferença que faz ter o espanhol no plantel: “Borja é uma pessoa extraordinária, como somos muitos e muitos de nós que já atuamos no nosso movimento há anos. A única diferença é que ele é uma porra de um fenómeno com a bola nos pés e é um megafone gigante para divulgar as nossas ideias revolucionárias sobre o futebol, pelo simples fato de essas ideias também serem dele. E, se não fosse assim, nem estaríamos aqui a falar sobre isto. Porque certas coisas não são compradas e, às vezes, almas gémeas encontram-se”.

Contexto do clube

Mas, afinal, o que levou um campeão europeu sub-19, formado no Real Madrid, e que jogou pelo próprio Real, Florentina e Inter Milão, a aceitar jogar por um clube amador e de uma sexta divisão?

“Aceitei este desafio porque sinto-me identificado com os valores do clube. E fiquei impressionado com a organização, com os adeptos e com o compromisso social com o meio ambiente”, respondeu o próprio futebolista, que cresceu num bairro muito humilde de Madrid, onde quase nem havia um campo para jogar futebol. “Algumas coisas não se esquecem”, completou.

Borja Valero resumiu assim o que é o Centro Storico Lebowski. Um clube que não é como os outros. Um clube que, lembram os próprios responsáveis, é de propriedade coletiva: “o clube é dos adeptos, sem qualquer mediação”.

E é mesmo assim: fundado em 2010, o CS Lebowski pertence totalmente aos seus 1.000 sócios. São eles e elas que decidem tudo que há para decidir no clube, que tratam totalmente da gestão do emblema de Florença. Não há “caprichos ou fortunas de patrões”. É um clube com “liberdade total”.

“Porque algumas coisas, no futebol e fora dela, não podem ser reformadas. Devem ser varridas e reconstruídas”, defende o clube, que assume também um forte compromisso social, como destacou Borja: alargou-se para o futebol feminino, para os juniores, para o futsal, e ajuda as crianças da zona, com uma escola de futebol gratuita para 150 rapazes e raparigas.

E os próprios jogadores, quando aceitam jogar pelo clube, já sabem ao que vão: receber compensações financeiras simbólicas, abdicar de salários superiores que poderiam receber noutros clubes, e contribuir para um orçamento sustentável.

Cada adepto que compre pelo menos uma ação (25 euros) da Cooperativa Desportiva CS Lebowski tem direito a participar nas reuniões mensais do clube. Portanto, tem direito a decidir (ou a ajudar a decidir) os rumos do clube. E as reuniões são transmitidas online para os adeptos que vivam longe de Florença.

Nuno Teixeira, ZAP //

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