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Bolivianos apelam ao diabo contra montanha que come gente

Catharina Moh / BBC

As Minas de Cerro Rico são fonte de riqueza e temor para os moradores da região

As Minas de Cerro Rico são fonte de riqueza e temor para os moradores da região

As minas da montanha de Cerro Rico, na Bolívia, têm cerca de 500 anos de idade e delas saiu a prata que gerou riquezas ao antigo império espanhol. Mas agora a região está cheia de túneis e perigos.

A montanha de Cerro Rico está transformada numa armadilha para os homens e meninos que trabalham no local – tanto, que a população chega a apelar até ao diabo, rogando por segurança.

A superstição já fez com que os trabalhadores colocassem imagens de uma criatura com chifres nos túneis.

Marco, 15 anos, um dos moradores da região, trabalha num destes túneis perigosos, coberto de suor e poeira. Carrega rochas num carrinho de mão – algo que repete 35 a 40 vezes durante o seu turno de cinco horas de trabalho, frequentemente à noite, depois de passar o dia na escola.

A mãe de Marco mudou-se para Cerro Rico com os quatro filhos, depois de o pai se ter ido embora. Vivem na entrada de um dos túneis, sem água corrente e usando uma mina abandonada como quarto-de-banho.

“Quero ser uma pessoa melhor, não trabalhar na mina… Gostaria de me formar, ser advogado”, diz Marco, cuja família depende do seu salário.

Na era colonial espanhola, a montanha produziu toneladas e toneladas de prata. Durante esse período, estima-se que 8 milhões de pessoas tenham morrido no local, o que deu a Cerro Rico o apelido de Montanha que Devora Homens.

Hoje, cerca de 15 mil mineiros trabalham na montanha, e uma associação local informa que 14 mulheres da região ficam viúvas por mês. A expectativa de vida é de 40 anos em média.

Catharina Moh / BBC

Marco trabalha na mina há um ano

Marco trabalha na mina há um ano

Acidentes

Como todos os que trabalham na montanha, Marco tem medo dos acidentes e da silicose, uma doença causada pela inalação de poeira. Marco conta que o cunhado morreu antes dos 30 anos devido à doença.

Comemos a poeira, vai para os pulmões e ataca-nos“, diz Olga, mãe solteira que guarda os equipamentos para os mineiros.

Os filhos de Olga, Luis, 14 anos, e Carlos, 15, trabalham com os carrinhos de mão, como Marco. Às vezes começam a trabalhar às 2h da madrugada para completar o turno de oito horas antes de ir para a escola.

Marco, Luis e Carlos enfrentam também outro perigo da montanha – o gás tóxico libertado nas rochas.

“Os pés ficam fracos e ficamos com dores de cabeça. O gás é o que fica depois de a dinamite explodir”, explica Carlos. Uma mulher conta que o marido respirou o gás, ficou tonto e caiu num poço da mina, onde morreu.

O grande número de mortes acaba por gerar superstições. Os homens e meninos mastigam folhas de coca, dizem que isso ajuda a filtrar a poeira.

Fazem também ofertas de folhas de coca, juntamente com bebidas alcoólicas e cigarros, a El Tio, o deus-demónio das minas.

Cada uma das 38 empresas que exploram as minas da montanha tem uma estátua do El Tio no seus túneis.

Catharina Moh / BBC

Cada uma das 38 empresas que exploram as minas da montanha tem nos seus túneis uma estátua do El Tio, que recebe oferendas

Cada uma das 38 empresas que exploram as minas da montanha tem nos seus túneis uma estátua do El Tio, que recebe oferendas

“Ele tem chifres porque é o deus das profundezas”, diz Grover, chefe de Marco. “Geralmente reunimo-nos aqui às sexta-feiras para fazer as oferendas, agradecendo por El Tio nos ter dado muitos minerais, e também para pedir a sua protecção dele contra acidentes.”

“Fora da mina, somos católicos, quando entramos, adoramos o diabo“, admite Grover.

Mais crianças

Marco e Luis não são sequer os mais jovens a trabalhar nas minas.

“Vejo dez crianças a trabalhar. Quando vêm aqui, têm bolhas nas mãos, acho que estão dentro das minas. Crianças de oito, nove, dez anos…”, diz à BBC Nicolas Marin Martinez, director da única escola da montanha, mantida por uma organização de caridade suíça.

Uma mudança recente na lei da Bolívia permite que crianças de dez anos trabalhem legalmente, mas não nas minas, consideradas perigosas demais.

No entanto, um relatório do Provedor de Justiça da Bolívia estima que 145 crianças trabalhem nas minas. Outra estimativa sugere que o número de crianças na montanha possa chegar a 400.

Apesar disso, o FMI afirma que a Bolívia reduziu os níveis de pobreza e quase triplicou o PIB desde que o presidente Evo Morales assumiu o cargo, em 2005.

No dia 12 de outubro, Morales tenta ser eleito para um terceiro mandato, prometendo devolver aos pobres as riquezas da terra.

Mas para os que vivem em Cerro Rico, os benefícios do governo de Morales parecem ainda não ter chegado.

Catharina Moh / BBC

Luis masca folhas de coca antes de começar a trabalhar

Luis masca folhas de coca antes de começar a trabalhar

 

ZAP / BBC

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