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As boas acções são “contagiosas” (e também uma “estratégia vitoriosa”)

Vídeos em que celebridades e anónimos viravam baldes de água com gelo sobre as próprias cabeças inundaram as redes sociais em 2014. A campanha que incentivava doações para pesquisas sobre esclerose lateral amiotrófica espalhou-se por vários países numa onda de boa acção e contribuiu para descobertas científicas importantes.

O sucesso do “desafio do balde de gelo” é um exemplo de como a generosidade pode ser contagiosa. Mas porque é que milhares de pessoas se submeteram a um banho gelado e ainda doaram dinheiro para pesquisas sobre uma doença rara – uma causa que dificilmente as beneficiaria de forma directa?

Cientistas como Jamil Zaki, professor da Universidade de Stanford (EUA), procuram responder a este tipo de perguntas através de estudos científicos. E uma das formas de entender como as boas acções se disseminam pela sociedade é, como diz Zaki à BBC, pela óptica da conformidade, que é a tendência de alinhar atitudes e crenças com as das pessoas em redor.

“Fundamentalmente, somos uma espécie social. As pessoas são muito motivadas a serem parte de um grupo e a compartilhar um sentido de identidade”, refere o investigador. “Uma forma de fazer isso é imitando comportamentos, opiniões e emoções”.

A influência do entorno

No passado, o conceito de conformidade ganhou má fama quando estudos científicos começaram a constatar que a pressão social era capaz de induzir os indivíduos a adoptarem comportamentos nocivos ou a duvidarem do seu próprio julgamento.

Zaki, por outro lado, estuda como a conformidade pode levar a comportamentos positivos. Numa série de experiências que coordenou, os participantes que observaram os colegas a fazerem doações generosas para instituições de caridade decidiram abrir mais a carteira do que os que observaram doações mesquinhas.

Os resultados, publicados pela revista Personality and Social Psychology em 2016, também mostraram que o impacto de se observar a generosidade alheia não se limitou a copiar as suas boas acções. A influência positiva também fez os participantes mostrarem-se mais solidários em relação aos outros participantes, e com mais empatia diante de situações adversas.

Cientistas também conseguiram mapear o modo como actos de cooperação podem multiplicar-se pela sociedade. Um estudo feito por investigadores de Harvard e da Universidade da Califórnia mostrou que indivíduos beneficiados por doações durante um jogo, repassaram a generosidade a outros participantes, que por sua vez beneficiaram um terceiro grupo.

A pesquisa, publicada num artigo da revista Proceedings of the National Academy of Sciences em 2010, mostra que a gentileza inicial foi capaz de atingir pessoas com até três graus de separação em relação ao primeiro benfeitor.

Mas a decisão de cooperar com outros membros da sociedade não é apenas um acto de pura e desinteressada generosidade. É, sim, uma estratégia vitoriosa em termos evolutivos, de acordo com Martin Nowak, professor de Harvard e director do Programa de Dinâmicas da Evolução da Universidade.

Segundo o especialista, a cooperação – seja entre humanos, insectos ou células – quase sempre se dá quando existe uma expectativa de se obter algo em troca no futuro.

Nowak propõe cinco mecanismos que explicam, à luz da evolução, porque é que um indivíduo resolve colaborar com o outro. O primeiro é a reciprocidade directa: eu ajudo e tu ajudas-me.

O segundo é a reciprocidade indirecta: eu ajudo-te, por isso ganho uma boa reputação e outra pessoa ajuda-me graças a essa reputação. O terceiro é a reciprocidade espacial: eu ajudo os meus vizinhos e assim aumento as minhas possibilidades de ser ajudado.

O quarto é a selecção de grupos que se baseia no facto de que os grupos de “cooperadores” se dão melhor do que os grupos de “egoístas”.

O quinto é a selecção por parentesco: eu ajudo os meus familiares porque tenho mais hipóteses de compartilhar genes com eles e quero disseminar esses genes pela população.

“A cooperação – além da competição – está envolvida sempre que a evolução constrói algo novo, algo diferente”, diz Nowak. “Por isso, tenho chamado a cooperação de ‘arquitecta mestre’ do processo evolutivo”.

A comunicação é essencial

Além de experiências em que os participantes têm de decidir se ajudarão ou não os seus companheiros em diferentes circunstâncias, outro método para estudar como as pessoas cooperam umas com as outras é, de forma teórica, por meio de modelos matemáticos.

Segundo Francisco C. Santos, professor do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, estes estudos teóricos são baseados num ramo da matemática chamado Teoria dos Jogos.

“A teoria dos jogos é usar a matemática para estudar conflitos de interesse“, diz Santos à BBC. Por exemplo, se um indivíduo está disposto a pagar um custo para proporcionar um benefício a alguém, é possível usar esses dados para construir equações capazes de prever as dinâmicas que podem ocorrer em diferentes cenários.

“Se conseguirmos compreender quais são os mecanismos subjacentes da cooperação, esse conhecimento é útil para promovermos a cooperação onde ela não existe”, constata.

Apesar das vantagens evolutivas de adoptar uma atitude cooperativa, é fácil pensar em situações da vida real em que ninguém está disposto a ajudar as pessoas ao seu redor. Ou, pior, circunstâncias em que atitudes egoístas se espalham pela sociedade como um vírus.

De facto, algumas pesquisas mostram que actos de indiferença podem ser tão contagiosos quanto actos de altruísmo.

De acordo com Martin Nowak, a gentileza só se espalha pela sociedade quando os mecanismos que permitem essa disseminação são suficientemente fortes. Por exemplo, se o indivíduo que ajuda o próximo ganhar uma reputação boa o bastante para que outros decidam ajudá-lo, então, a gentileza espalhará-se naquele grupo.

“Se esse mecanismo não for forte o suficiente, a cooperação vai perder e a indiferença vai ganhar”, diz o investigador.

Um dos ingredientes essenciais para garantir que a onda de boas acções se espalhe, segundo Nowak, é a comunicação. “A ideia é que a reputação do indivíduo que colaborou seja conhecida”, frisa.

Experiências já demonstraram que mais pessoas decidiram comparecer às urnas em actos eleitorais quando viram no Facebook que os seus amigos fizeram o mesmo. Da mesma forma, no fenómeno do desafio do balde de gelo, o facto de os vídeos se terem tornado virais teve um grande papel na multiplicação das doações.

ZAP // BBC

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