A Dona Branca deixou um rasto inquestionável na História de Portugal – sobretudo na história de muitos portugueses. Até originou uma telenovela.
Mas quem é esta Maria Branca dos Santos? Dona Branca? A Branca é da banca? Tem um banco?
Não, nunca foi dona de um banco.
Então como empresta dinheiro?
Pois. Aí começa o esquema que mudou a vida de milhares de portugueses e que colocou a tal “Dona Branca” na História de Portugal.
Na verdade, terá sido o caso mais mediático da década 1980 em Portugal, no que diz respeito a escândalos na sociedade – a morte de Francisco Sá Carneiro é outro contexto.
Maria Branca dos Santos ficou conhecida como A Banqueira do Povo. Aliás, foi esse o título da telenovela que a RTP estreou há 30 anos, em Abril de 1993. Com Eunice Muñoz como protagonista, a “Dona Benta” – e não Branca – passava nas nossas televisões de segunda a sexta-feira, às 19 horas.
A obra era de ficção, o nome era diferente, mas a realidade estava lá. A novela foi obviamente inspirada no enredo à volta de Dona Branca.
Uma santa para muitos portugueses (que ainda hoje a defendem), uma oportunista para tantos outros.
Há quem diga que foi um peão no meio de um jogo financeiro complexo, aproveitado por bancários ou empresários.
Há quem tinha que tinha um “coração de ouro” e que não conseguia recusar ajuda a ninguém. Aliás, seria essa a sua maior motivação: ajudar os outros e ver um sorriso no rosto dos outros.
Não há detalhes sobre o passado desta mulher que, quando se tornou famosa em praticamente todo o país, já tinha 72 anos.
Dona Branca tinha negócios há muitos anos. Negócios talvez “duvidosos”, embora na altura fosse mais difícil do que hoje definir a ilegalidade da sua rotina.
Maria Branca dos Santos estava num país em dificuldades: transição pós-25 de Abril, agitação social, crise petrolífera, subida de preços, desemprego, falências, ameaça permanente de bancarrota e duas vindas a Portugal do Fundo Monetário Internacional (1977 e 1983).
Incerteza constante, desespero abundante. Assim estava Portugal na década 1980.
Dona Branca, talvez visionária, talvez oportunista, reparou nesse desespero e começou a emprestar dinheiro. Na prática era um banco particular, paralelo, ao qual milhares de pessoas acorreram, procurando salvação. Porque acreditavam que iriam ser salvas por aquela mulher.
As pessoas depositavam dinheiro no escritório de Dona Branca. A “banqueira”, por sua vez, assegurava que pagava mensalmente juros muito cativantes sobre aquele valor do depósito (os juros cegaram aos 120%…).
Um esquema de pirâmide, obviamente procurado pelos mais pobres, essencialmente.
Um esquema de pirâmide que começou a desmoronar-se por causa de uma entrevista. O jornal Tal & Qual trouxe para manchete este sistema que, até àquele ano 1983, só era conhecido por parte da população de Lisboa e arredores.
E essa população preferia que o esquema ficasse em “privado”. Os protestos acumularam-se junto às instalações da “banqueira”.
Foi a partir daí que as autoridades portuguesas começaram a estar atentas.
E ainda mais se aproximaram do caso quando, já no ano seguinte, uma “cliente” contou ao Diário de Notícias que chegou a sentir-se mal quando viu tanto dinheiro junto no escritório de Maria Branca.
Novos protestos, novas questões e, sobretudo, novas investigações.
Nesse ano, mais concretamente, a 8 de Outubro de 1984, Dona Branca foi detida.
Mas não estava só neste processo: 75 pessoas foram constituídas arguidos. Sete fugiram, 44 foram condenados, 24 absolvidos.
Foi libertada dois anos depois (caução de 500 contos). Mais tarde foi detida novamente: 15 meses de prisão e pagamento de mais de mil contos por ter emitido inúmeros cheques sem cobertura.
Já em 1990, nova sentença: 10 anos de prisão por burla agravada e emissão de cheques sem cobertura. Viria a sair da prisão em 1992, devido à idade avançada. Mas não viveu muito mais tempo.
Dona Branca morreu no dia 4 de Abril de 1992, vítima de uma trombose. Tinha 81 anos. Diz-se que morreu… na miséria. E no esquecimento.
Incerteza constante, desespero abundante. Assim estava Portugal na década… 2020?