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O “autoritarismo de esquerda” também existe — conclui um estudo científico

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Investigação, que é uma das primeiras a estudar o perfil dos simpatizantes de extrema-esquerda, concluiu que é possível encontrar traços comuns com os apoiantes da extrema-direita, nomeadamente elevados níveis de mesquinhez e ousadia psicopática, dogmatismo, desinibição, falta de consciência, necessidade de isolamento e crença em teorias da conspiração.

Após anos de investigação científica que confirma a existência do autoritarismo de direita — com recurso à caracterização dos indivíduos, descrição da sua personalidade, níveis de submissão à autoridade e de agressividade em relação aos que se desviam da chamada norma social —, está agora comprovada a existência do autoritarismo de esquerda.

Em seis estudos, que incluíram 7.258 indivíduos, um grupo de cientistas liderado pelo psicólogo Thomas H. Costello, doutorando na Universidade de Emory, mediu o nível de autoritarismo de esquerda dos participantes, numa escala que os cientistas intitularam de “Left-Wing Authoritarianism Index” para ordenar o nível de simpatia dos indivíduos com o autoritarismo de extrema-esquerda.

“O autoritarismo só foi realmente estudado num grupo de pessoas: os conservadores. A razão para isto é circular. Em termos práticos, muitos investigadores têm estudado e alegado que apenas os conservadores podem ser autoritários”, apontou Costello.

“No entanto, se este não é o caso e também existe autoritarismo de esquerda — como nós sustentamos neste estudo —, a inexistência de investigação científica no que concerne ao autoritarismo de esquerda torna-se um grande problema.”

Os resultados da investigação, que está disponível para consulta e foi aceite para publicação no Journal of Personality and Social Psychology, indicaram que a problemática pode ser organizada em três categorias e pode ser avaliada pelo nível de concordância com afirmações apresentadas.

Na primeira categoria, a agressão anti-hierárquica, os participantes com melhores resultados concordaram em maior escala com as afirmações “Os ricos deveriam ser expropriados dos seus bens e estatuto” e “Precisamos de substituir o sistema independentemente do meios”.

A segunda, intitulada “censura de cima para baixo”, remete para frases como “Eu deveria ter o direito de não estar exposto a opiniões ofensivas” ou “Eliminar as desigualdades é mais importante do que proteger o chamado ‘direito’ à liberdade de expressão”.

Na terceira, relacionada com o anti-convencionalismo, os melhores resultados foram dados por participantes que concordaram com as frases “Todos os conservadores são parvos” e “Os costumes antigos” ou “Os valores antigos precisam de ser abolidos”.

“Só temos vindo a estudar um extrato do autoritarismo, o que providencia uma visão limitada ou incorreta do fenómeno como um todo. Eu diria que ainda não conhecemos o que é realmente o autoritarismo, do ponto de vista da psicologia. Imaginem o que seria, por exemplo, tentar estudar uma determinada doença e usar como amostra apenas homens. Isto significaria imensos problemas”, acrescenta Costello.

“Agora, com este trabalho, podemos estudar os dois tipos de autoritarismos e, esperamos, isolar a essência psicológica do fenómeno através de comparações e contrastes em pesquisas futuras”, aponta o investigador.

No conjunto de participantes com classificações mais elevadas, Costello e a sua equipa encontraram “sobreposição de traços de personalidade, estilos cognitivos e crenças” entre os simpatizantes de autoritarismo de esquerda e direita.

“Ambos os grupos apresentam níveis elevados de mesquinhez e ousadia psicopática, dogmatismo, desinibição, falta de consciência, necessidade de isolamento, crenças deterministas fatalistas, em teorias da conspiração e num mundo perigoso”.

Paralelamente, os dois grupos também evidenciaram um comportamento agressivo face ao oponente político.

“Pessoas com atitudes autoritárias, quer sejam de esquerda ou de direita, apresentam perfis psicológicos similares. Especificamente, parecem partilhar uma constelação de traços psicológicos, feições cognitivas e motivações que podem ser consideradas o ‘coração’ do autoritarismo”, referiu o autor ao PsyPost.

Mais para descobrir no futuro

As descobertas agora conhecidas estão em linha com o pouco trabalho científico desenvolvido sobre o mesmo tópico. Por exemplo, um estudo de janeiro de 2018 alegava que autoritários nos dois lados do espectro político tendem a atingir resultados mais elevados em escalas de dogmatismo e preconceito contra rivais políticos.

“O nosso estudo não significa que o autoritarismo de esquerda e de direita são equivalentes ou igualmente perigosos (nos EUA ou em qualquer outro lugar). Não significa que exista uma equivalência moral. Nós mostramos simplesmente que, primeiro, o autoritarismo de esquerda existe e que, segundo, o autoritarismo de esquerda e de direita se sobrepõem em alguns aspetos”, explica o investigador.

Thomas Costello deixou ainda um apelo a todos aqueles que contactem com o trabalho agora apresentado: “Não devem usar o nosso trabalho para marcar pontos políticos — ainda que, infelizmente, isso vá acontecer.”

Numa tentativa de perspetivar o futuro do tópico em ambiente académico, o investigador garante que “há muito para ser feito cientificamente”. “Esperamos que os investigadores sejam capazes de utilizar os resultados apresentados neste artigo como base para qualquer tipo de perguntas novas ou interessantes”, sugeriu Costello.

ARM, ZAP //

8 Comments

  1. Uma questão interessante, pena que não esteja ao alcance de 99% dos portugueses. Pessoalmente, desconheço a existência de “extrema-esquerda”, não tenho referências e só muito remotamente considero PC e BE como movimentos de esquerda, com consistência e coerência: o PC é um anacronismo em vias de extinção. O BE é uma espécie de movimento arco-íris, folclórico e psicadélico. Ou seja, não identificando esses dois partidos como de “esquerda”, sinto-me confortável, “mais vale só que mal acompanhado”. Sendo de esquerda, apenas me identifico com uma das alíneas da segunda categoria: “Eliminar as desigualdades é mais importante que proteger o chamado “direito” à liberdade de expressão”. E, somente, se houver que fazer uma opção entre a realidade (desigualdades) e a abstracção “liberdade de expressão”, é que esta só é importante para os bem-instalados na hierarquia social, os beneficiários das desigualdades.

  2. Boa tarde a todos. Mas, para mim isso é uma surpresa, pois pensei que Lenin, Stalin, Mao Tse Tung, Fidel Castro, Che Guevara, Enver Hoxha, Nicolae Ceausescu, Pol Pot e Kim Jong-un, entre outros, fossem todos liberais e democratas. Abraço a todos.

  3. Vocês não imaginam o que ocorre no BRASIL. Os que alegam “extremismo” da direita estão muito longe de ser exemplo para qualquer coisa.

    • RA, muito bem observado. Eu sou brasileiro e moro no Brasil. O Bolsonaro de fato é um sujeito bronco, turrão e fala muita bobagem, é intempestivo. Ele é daqueles que não respeitam a chamada “liturgia do cargo”, porém essas características não o levam a atos extremistas, ilegais, que desrespeitem a Constituição. Ele jamais impôs censura e sempre respeitou a Constituição, ao contrário da oposição e, o que é ainda mais estarrecedor, o Supremo Tribunal Federal, cujos ministros agora praticamente usurparam a prerrogativa do Legislativo, legislam e mandam até prender políticos que têm imunidade parlamentar, além de jornalistas, desde que esses jornalistas sejam de direita. Ano passado chegaram a suspender a publicação de uma revista porque essa publicou uma matéria a respeito de suspeita de corrupção por parte de um dos ministros – não vou nem entrar no assunto “Lula”, que foi solto por eles graças a uma artimanha jurídica inacreditável (dos 11 ministros do Supremo, 7 foram nomeados por Lula & Dilma). Observação: não sou “bolsonarista” mas anti petista. Abraço a todos.

      • Neste 7 de setembro, para coroar a atuação do Supremo Tribunal, este reteve por 4 horas um ex-assessor de Donald Trump que havia vindo ao Brasil para proferir uma palestra em um evento. Ele foi impedido de embarcar em um avião particular e ficou retido pela Polícia Federal por 4 horas sem sequer saber do que o acusavam. Criaram um incidente diplomático por conta de perseguições políticas.

  4. Quase 100 anos de USSR, China, Coréia do Norte, Cambodia, Alemanha Oriental, cortina de ferro e ainda precisaram de um estudo desses??

  5. A percepção da realidade de alguns realmente parece ser limitada pelas próprias crenças, e minimamente por algo que chamem de ciência. Imagine, partir do “princípio” ou crença de que apenas os “conservadores” e liberais são autoritários, e por isso pesquisar viés autoritário apenas nas pessoas que o “cientista” enquadra naquele grupo, o mero enquadramento já é questionável … isso é coisa de quem “faz ciência” com viés esquerdista ou “pesquisadores” afim do prêmio “ignobel”? , será q se trata de alguma piada ou brincadeira: 🙂 . Como disse o Sr Carlos, em comentário anterior, será considerado autoritarismo ou coisa de liberal conservador, considerar que Lenin, Stalin, Mao Tse Tung, Fidel Castro, Che Guevara, Enver Hoxha, Nicolae Ceausescu, Pol Pot e Kim Jong-un foram ou são pessoas um “Pouquinho” autoritárias … sorrindo quando se lê uma aberração dessas.

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