Os prejuízos provocados na região Centro pela tempestade Leslie, em outubro de 2018, continuam, um ano volvido, sem apoio governamental, com exceção dos agricultores do Baixo Mondego, assumem autarcas e um responsável do setor agrícola.
Com efeito, embora logo a seguir à tempestade de 13 de outubro de 2018, o Governo tenha desencadeado mecanismos legais para apoio às populações afetadas, só oito meses mais tarde, em junho de 2019, por despacho conjunto dos secretários de Estado do Orçamento e das Autarquias Locais, foram abertas candidaturas pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Centro aos apoios para associações e entidades religiosas.
No mesmo despacho, há indicação de que estes apoios, através do Programa de Equipamentos Urbanos de Utilização Coletiva, seriam afetos ao Orçamento do Estado para 2020, uma situação que se repete sobre os municípios que avançaram com candidaturas ao Fundo de Emergência Municipal e que continuam à espera de ser ressarcidos dos montantes que já gastaram.
Em Montemor-o-Velho, o município contabilizou cerca de um milhão de euros em danos em edifícios, equipamentos municipais e sinalização rodoviária, e avançou com fundos próprios para reparações – cujo montante vai a caminho do meio milhão – tendo candidatado cerca de 700 mil euros à CCDRC, disse à agência Lusa o presidente da Câmara Municipal, Emílio Torrão.
Por seu turno, e ainda de acordo com o autarca socialista, as associações e coletividades daquele concelho do Baixo Mondego candidataram cerca de 1,1 milhões de euros, tiveram cerca de 775 mil euros de comparticipação validada, mas continuam à espera de receber.
“O Leslie veio para ficar e ainda hoje sofremos com o efeito Leslie“, frisou Emílio Torrão, alegando que a tempestade “causou um transtorno incrível” a uma autarquia que possui “um orçamento muito curto” e que ainda há relativamente pouco tempo passou por um processo de “grandes dificuldades financeiras”.
“É tudo pago com o pelo do cão, como se costuma dizer e perdoem-me a expressão. É tudo muito sofrido”, ilustrou o autarca.
Emílio Torrão enfatizou que a situação não afeta só os equipamentos municipais, mas sim “toda a comunidade”, nomeadamente o tecido associativo, que subsiste com “graves dificuldades”, com sedes encerradas e outros problemas por resolver, e que contactam o município sem que este tenha respostas para dar.
“Nós só pagamos, ainda não recebemos nada, estamos à espera, acreditamos que sim, que venha. A Câmara deu a cara, saiu ao terreno e fez a recolha de todos os prejuízos, que transmitiu à CCDR e ao Governo e hoje as pessoas procuram-nos a nós porque somos o rosto das pessoas. Apetece-me às vezes dizer que não volto a dar a cara por estas coisas, porque efetivamente quem paga com os facto das coisas tardarem é a Câmara Municipal e não quem tem a responsabilidade e quem efetivamente pode ajudar”, criticou.
O presidente do município enfatizou que a informação por parte do Governo é a de que “não havia orçamento” para fazer face aos prejuízos criados pela tempestade: “O furacão não estava previsto em orçamento, naturalmente era um imprevisto e tudo espera o cabimento orçamental. O Governo apregoa que é de boas contas, como nós na Câmara, eu compreendo perfeitamente este argumento, mas sobretudo o que digo é que, como em tudo neste país, nós temos de ter a noção que temos de ser mais rápidos e mais céleres”, declarou.
Na agricultura, o responsável da cooperativa agrícola de Montemor-o-Velho admite que os agricultores do Baixo Mondego, concretamente os que tinham seguro, foram apoiados, quer na produção perdida, quer na maquinaria destruída, embora ainda haja quem não tenha a situação resolvida dado grande parte dos edifícios, armazéns e barracões afetos à atividade não estarem licenciados.
Armindo Valente lembra, no entanto, que os apoios não abrangeram a própria instituição – a cooperativa sofreu prejuízos de 800 mil euros, suportados pelo seguro e fundos próprios, ainda não totalmente resolvidos.
“A passagem do Leslie pelo Baixo Mondego deixou a cooperativa praticamente destruída. Os telhados foram pelo ar e em boa hora tínhamos seguro. Se não fosse o seguro [era um problema], as cooperativas agrícolas, por incrível que pareça, estão fora das ajudas governamentais e de reposição do potencial agrícola”, criticou Armindo Valente.
Já na Figueira da Foz, o concelho mais afetado pela passagem da tempestade, com 38 milhões de euros de danos reportados (mais de um terço do prejuízo total de 100 milhões, aferido em meia centena de municípios de quatro distritos), a maioria em empresas privadas, a Câmara Municipal contabilizou cerca de 1,9 milhões de euros em prejuízos no espaço público e quase 850 mil em associações e coletividades.
“Há uma questão orçamental que temos tido alguma dificuldade em superar, porque na realidade o esforço financeiro foi muito grande. Fundamentalmente, porque quisemos apoiar as coletividades, resolver o assunto das escolas com grande urgência e recuperar os espaços públicos o mais depressa possível”, disse à Lusa o presidente da autarquia, Carlos Monteiro.
O autarca disse acreditar que o apoio financeiro do Fundo de Emergência Municipal “está bem encaminhado”, mas enfatizou que a situação “criou um défice no orçamento [autárquico] de 2019″.
Outro problema “que neste momento ainda se sente mais e as pessoas têm alguma dificuldade em compreender, foi a devastação do espaço verde”, como o do Jardim Municipal ou o parque florestal da Serra da Boa Viagem, entre outros, com milhares de árvores destruídas, assinalou Carlos Monteiro.
“Hoje ainda estamos com o parque arbóreo muito devastado, quer na zona urbana, quer na Serra e é esse o grande esforço que estamos a fazer”, adiantou.
A agência Lusa pediu à CCDRC vários elementos sobre o montante dos prejuízos provocados pelo Leslie na Região Centro, nomeadamente sobre as candidaturas de municípios e de associações, mas aquela entidade regional recusou fornecer esses dados, alegando que o ‘dossiê’ “é da responsabilidade do Ministério da Administração Interna”.
“A participação da CCDR Centro foi meramente técnica, inicialmente de apoio aos municípios no levantamento dos danos e, posteriormente de apoio ao MAI, que controla todo o processo”, referiu fonte da Comissão de Coordenação, em resposta escrita.
A Lusa contactou o MAI, que por sua vez remeteu a questão para o Ministério das Finanças. Na resposta, o gabinete de Mário Centeno apenas aludiu às candidaturas recebidas no âmbito do Programa de Equipamentos Urbanos de Utilização Coletiva, não esclarecendo quando eram pagos os apoios, o valor destes e a dotação do Fundo de Emergência Municipal.
“No seguimento da avaliação feita às candidaturas recebidas no âmbito do Programa de Equipamentos Urbanos de Utilização Coletiva, o valor de comparticipação elegível será disponibilizado até ao fim do presente ano”, refere a informação das Finanças disponibilizada à Lusa.
// Lusa