Populares das províncias diamantíferas das Lundas, no interior norte de Angola, viajaram mais de doze horas para testemunhar esta quinta-feira no tribunal de Luanda alegados casos de violação dos direitos humanos cometidos na exploração de diamantes.
Em causa está o julgamento opondo generais angolanos ao jornalista e ativista Rafael Marques, que denunciou estes casos publicamente, o qual reiniciou hoje no Tribunal Provincial de Luanda, decorrendo à porta fechada.
O processo envolve oito testemunhas arroladas, das quais quatro das Lundas, indicadas pela defesa de Rafael Marques, como o “rei” de Capenda-Camulemba, Miji Fidel Muleleno, que explicou à Lusa, ainda no tribunal, a situação vivida naquela região.
“Queremos falar no tribunal das mortes e das torturas das empresas de segurança mineira. Estão ali para explorar [diamantes], mas eles estão a matar as pessoas. O povo não tem nem espaço para cultivar”, disse Miji Fidel Muleleno, de 41 anos e autoridade tradicional de uma área com perto de 30 mil habitantes, entre vários municípios.
Rafael Marques é alvo de uma acusação de calúnia e difamação e duas de denúncia caluniosa depois de ter exposto estes alegados abusos com a publicação, em Portugal, em setembro de 2011, do livro “Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola”.
Os queixosos são sete generais, liderados pelo ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente da República, general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa”, e uma empresa diamantífera.
“Ele confirma e reafirma tudo o que está no seu livro”, disse à Lusa o advogado de Rafael Marques, David Mendes, durante a sessão desta quinta-feira, em que o ativista e jornalista angolano foi ouvido pelo tribunal, depois de falhado um acordo extrajudicial.
Os advogados dos generais não prestaram declarações aos jornalistas durante a sessão de hoje, em que foi ouvido também um dos diretores da empresa queixosa.
A sessão segue a 21 e 22 de maio, com os generais a serem ouvidos em tribunal.
“Mataram-me os dois filhos”
Na origem do processo está a alegada violência perpetrada por firmas de segurança ao serviço das empresas de exploração diamantífera sobre a população local, que além da agricultura tenta também fazer o garimpo artesanal de diamantes, terminando em conflito com estes.
Linda Moisés da Rosa, de 58 anos, saiu do Cuango, na província da Lunda Norte, pelas 16h de quarta-feira para chegar hoje a Luanda, já depois das 5h, quatro horas antes do início do julgamento.
Ao Tribunal Provincial de Luanda, após uma viagem de cerca de mil quilómetros, trouxe um relato de violência, entre 2009 e 2010, presente no livro de Rafael Marques, acompanhada do neto, que ficou sem o pai.
“Mataram-me os dois filhos, com catanas e ferros, porque andavam no garimpo no rio Cuango [onde há diamantes], onde nasceram e onde tomam banho, não há mais nenhum rio. O garimpo dos diamantes era para eles, porque não temos mais nada”, explicou, igualmente à Lusa.
Garante que tentou apresentar queixa em Luanda, sem sucesso, e que por duas vezes foi abordada para “abafar” o caso, a troco de dinheiro, que afirma ter recusado.
“Os meus filhos não foram roubar dinheiro, nem ouro. Esta é a terra do nosso povo“, conta, à porta do tribunal, ladeada por outras figuras do povo Tchokwe, das Lundas.
No reinício do julgamento, o jornalista Rafael Marques disse estar a começar uma “grande batalha”.
“Não podia estar mais tranquilo, é uma batalha que eu vou adorar lutar até ao fim”, disse o jornalista e ativista angolano, questionado pela Lusa à entrada para o julgamento, que decorre à porta fechada e que conta com observadores das representações diplomáticas dos Estados Unidos e da União Europeia em Luanda.
/Lusa
E para este Rafael os portugueses é que são racistas? Só espero que tenha o julgamento que merece.