Pacientes deixam de reconhecer expressões e de compreender o que os outros pensam, mas conseguem sempre percebê-los, emocionalmente. É o primeiro indício de que um domínio cognitivo melhora na demência.
Sim, é duro viver com Alzheimer. Mas nas fases mais tardias da doença, torna-se mais duro vê-la, de fora, a consumir a pessoa que amamos, que pouco a pouco parece desaparecer dentro do seu próprio corpo e mente.
É uma avó, um pai, uma mãe ou uma irmã que nos é roubada. Mas a Ciência traz-nos agora uma notícia agradável: nem tudo se desvanece.
As mais de 57 milhões de pessoas que vivem hoje com Alzheimer — um número que deverá duplicar nos próximos 20 anos — mostram declínios em praticamente todas as áreas de cognição social, mas podem continuar a partilhar sentimentos de alegria, tristeza ou raiva com os seus entes queridos. “Ainda estou aqui”, diz a empatia emocional.
A conclusão é de um estudo da University College London (UCL), que revelou que doentes de Alzheimer tiveram pontuações ligeiramente mais elevadas nas avaliações de empatia do que os indivíduos com deficiência cognitiva ligeira (MCI) — a fase inicial do declínio cognitivo que pode preceder a demência.
Segundo a investigação, publicada a 27 de março na Alzheimer’s & Dementia e apoiada pela Wellcome, os investigadores analisaram dados de 28 estudos globais, que estudaram 2.409 pessoas diagnosticadas com MCI ou demência por todo o mundo.
O padrão não mente: o declínio em capacidades como o reconhecimento de expressões faciais e a compreensão dos pensamentos dos outros era consistente. As pessoas com doença de Alzheimer ou demência frontotemporal tiveram piores resultados do que as pessoas com DCL nestes domínios. Mas no que diz respeito à empatia emocional, as pessoas com Alzheimer saíram-se melhor.
“Encontrámos provas convincentes de que a empatia emocional está preservada, possivelmente até aumentada, nas pessoas com doença de Alzheimer, em comparação com pessoas em fases anteriores de declínio cognitivo”, garante o autor principal do estudo, Andrew Sommerlad., citado pela EurekAlert.
Curiosamente, um dos estudos mostrou que as pessoas com Alzheimer reagem mais intensamente a emoções negativas. São mais sensíveis em relação ao que as afeta negativamente do que às boas emoções, o que pode estar relacionado com os desafios que enfrentam à medida que perdem as outras capacidades cognitivas de lidar com situações, aponta o estudo.
Agarrar o que resta para manter ligações sociais
A descoberta pode abrir portas para “profissionais de saúde tirarem partido destas capacidades de empatia no apoio psicológico às pessoas com doença de Alzheimer, para as ajudar a criar e manter ligações sociais”, acredita o autor do estudo.
A primeira autora do estudo, Puyu Shi , lembra que “as deficiências na cognição social sentidas pelas pessoas com demência resultam frequentemente em dificuldades em compreender as intenções e emoções dos outros e em responder adequadamente nas interações sociais, o que pode causar angústia, tanto para os doentes como para os prestadores de cuidados, e pode também contribuir para a solidão entre as pessoas com demência”.
“As famílias das pessoas com demência devem ser apoiadas para que possam compreender e adaptar-se às mudanças de comportamento do seu ente querido”, aponta a especialista.
Todos os anos há cerca de 10 milhões de novos casos de Alzheimer diagnosticados, mas “continua a haver necessidade de melhores testes que permitam a identificação precoce destas deficiências cognitivas sociais, o que poderia ajudar no diagnóstico e, potencialmente, também ajudar a prever a forma como o declínio cognitivo continuará a progredir”, lembra Sommerlad.
A maioria das pessoas que hoje vivem com demência não recebeu um diagnóstico formal, e mesmo assim, a cada 3 segundos, uma pessoa é diagnosticada algures no mundo, sendo que a maioria é afetada especificamente pelo Alzheimer. O número de casos deve atingir os 139 milhões em 2050, com maior incidência em países em desenvolvimento, onde atualmente já vivem 60% das pessoas com demência.