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Pedra debaixo da roupa para simular comida: o Alentejo de Catarina Eufémia

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Foi há 70 anos que morreu uma jovem que ficou na História de Portugal. Era apenas uma de milhares de alentejanas a passar por dificuldades.

Melhores condições de trabalho, aumento (ligeiro) no salário, maior respeito, maior dignidade.

Num parágrafo, resumem-se as exigências das trabalhadoras do Alentejo que apareceram no Monte do Olival.

Reza a “lenda” que Catarina Eufémia, com o seu filho de 8 meses ao colo, foi sempre na frente, a liderar aquela manifestação histórica.

Catarina tinha apenas 26 anos. Era uma camponesa nascida em Baleizão, Beja. Mãe de três filhos. Jovem e inconformada com o seu dia-a-dia duro, pouco ou nada reconhecido e mal pago.

Histórica porque, quando confrontadas com os agentes da Guarda Nacional Republicana, Catarina Eufémia avançou, sem receios.

O retrato daquele Alentejo

O Alentejo era uma região muito pobre, naquela época.

O “celeiro de Portugal” tinha uma paisagem bonita mas uma realidade feia para quem vivia e trabalhava lá.

Algumas (poucas) famílias reinavam nos latifúndios, onde trabalhavam uns pobres, miseráveis, camponeses.

Esses camponeses, na grande maioria analfabetos, trabalhavam sempre que o sol estava visível, com pausa de 30 minutos para beber uma tigela de água e um pão. A ganhar 75 escudos por mês — um valor ridículo, mesmo na altura.

A fome reinava no Inverno. Fome a sério: havia pouca carne, muita açorda, comida à base de pão, pratos pobres. O homem comia, a mulher comia menos, a criança não comia.

“Os homens nem tinha força para se levantar das camas. Dizer camas… é ser simpático. A palavra carência nem se adequa, é um eufemismo. Tínhamos gente sem nada“, relata na RTP o antropólogo Paulo Lima.

E uma fome envergonhada: “Homens e mulheres iam trabalhar e levavam, enrolada num lenço, uma pedra, para fingir que levavam comida. Para depois não serem envergonhados perante os seus camaradas de trabalho. Isto era algo muito comum”, continua Paulo.

Apesar de viverem sob o regime do Estado Novo, a contestação foi aumentando: greves, manifestações tímidas, protestos. Os patrões não queriam saber, no geral. Desde que as colheitas aparecessem…

A líder

É nesse contexto que se insere Catarina Eufémia, a revoltada, a insatisfeita.

Naquele dia da manifestação, Catarina começou a manhã por andar a pé desde Quintos até Baleizão. Com os três filhos consigo; os dois mais velhos ficaram na avó.

A jovem camponesa continuou com o bebé de 8 meses ao colo, reuniu várias camponesas locais e, todas juntas, foram até ao Monte do Olival.

Esse foi o palco de um protesto, para a reivindicação de um aumento de alguns escudos no salário. Já chegava de miséria.

As trabalhadoras não sabiam, mas já lá estavam agentes da Guarda Nacional Republicana.

Como símbolo da resistência, sempre a liderar a comitiva, sempre à frente, Catarina Eufémia não recuou. Avançou, perante o ameaçador tenente João Tomaz Carrajola.

E levou três tiros. Morreu, o filho sobreviveu.

Foi há 70 anos, no dia 19 de Maio de 1954.

“Ela tornou-se imortal entre as melhores heroínas”, diria o seu marido, António do Carmo, já depois do 25 de Abril.

ZAP //

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10 Comments

  1. Mas agora o Alentejo voltou a ser o Palco de desgraçados com saláriuos miseráveis a viver ao monte dentro de uma casa. O que é que mudou ?

  2. O que aconteceu a esse GNR? Nada ,tal como hoje… Impunidade antes e agora! depois admiram-se…. Venham os suplementos… Agora já não há operários e camponeses para assassinar…

  3. CHAMAVA-SE CATARINA

    Rica de fome,
    Pobre de pão.
    Chamava-se Catarina,
    Trágica foi sua sina.
    Seus, teve apenas dois braços,
    Braços de mulher, franzinos,
    Três filhos bem pequeninos,
    Esperança e tantos sonhos
    E uma voz inocente
    Que não conhecia o medo.
    Por isso morreu tão cedo.

    Rica de fome,
    Pobre de pão,
    Em terras do Alentejo
    Uma Mulher disse NÃO
    À injustiça do tempo.
    Por isso morreu tão cedo.
    … mataram-na à traição!
    Seu sangue puro regou
    Os campos de Baleizão.
    Quando foi a enterrar
    Amortalhou-a a razão.

    Rica de fome,
    Pobre de pão.
    Mataram-na à traição.
    Da sua voz inocente
    Ficou eco, um eco ingente.

    Trágica foi sua sina.
    Não terá morrido em vão.
    Chamava-se Catarina!

    In: Sérgio O. Sá, DISPERSOS NO TEMPO

  4. Não sei se é verdade, mas há muitos anos um oficial da GNR que presenciou os acontecimentos contou-me que Catarina Eufémia era uma mulher que ajudava nas limpezas do quartel da GNR, não era nenhuma revolucionária, e morreu em consequência de uma bala de ricochete que a atingiu. Depois o PCP apoderou-se dela e tornou-a num mito revolucionário, vítima da repressão salazarista. Sabe-se lá se é verdade, mas aqui fica um testemunho que pode ser muito suspeito…

  5. Nuno Cardoso, se ler bem as Historias e relatos verifica que ela foi Morta á Queima Roupa pelas costas por confrontar esse Tenente , a Noticia de que ela Limpava o quartel da GNR é pura Mentira , ela nunca trabalhou nas Limpezas da GNR e não foi bala nenhuma de ricochete mas sim enquanto protestava e o Tenente levantou o filho e disparou , aqui o Relato do proprio filho “Era um dia excecional, histórico, nada por aquelas bandas voltaria ao normal. Excecionalmente, também, José Adolfo Baleizão do Carmo, de oito meses, ia ao colo da mãe, enquanto o irmão António, mais velho três anos, era levado pela mão. «Eu estava agarrado ao pescoço de minha mãe e o tenente Carrajola levantou-me o corpo e deu-lhe três tiros à queima-roupa. Ela caiu, eu caí. Ainda fiquei com feridas na cabeça», diz hoje José – que na ginástica da vida cresceu com memórias emprestadas.”

  6. Eu só acreditaria num testemunho de pessoa que tivesse estado presente e que não tivesse qualquer ligação ao PCP. “Histórias e relatos” não passam disso mesmo…

  7. Encontrado no site do Sol, de 13-02-2018:

    “Da história de Catarina sabe-se que em 1954, com apenas 26 anos, a camponesa foi protagonista de uma greve para reivindicar aumento de salários e melhores condições de trabalho. No momento em que tentaram falar com o proprietário, este acabou por chamar a GNR, que rapidamente acorreu ao local.

    “A partir daí, as histórias divergem”, afirma Prostes da Fonseca. “O PCP faz a história deles, que foi assassinada [premeditadamente]. Eu, no livro, não dou isso como certo, porque nunca ficou, na verdade, provado”, explica. Segundo as provas que encontrou, “não há dúvida de que ele lhe deu um estalo e ela caiu, e quando se levantou, ele empurrou-a com a arma e a partir daí dá-se o disparo, três tiros.”

    Prostes da Fonseca coloca em cima da mesa a possibilidade de o homicídio ter sido acidental porque “aquelas armas disparavam sozinhas muitas vezes”.

    Durante a minha comissão de serviço em 1966-68, em Angola, como Alferes Miliciano, ía uma vez no lugar do passageiro, num veículo pesado do exército, com uma pistola metralhadora FBP, entre os joelhos, de cano apontado para cima. Em determinado momento, devido aos movimentos do veículo, e sem que eu tivesse tocado no gatilho, a arma disparou-se. Para minha felicidade a bala saíu na verical e apenas furou a lona do tejadilho da viatura. Mas que estes acidentes ocorriam com alguma frequência é absolutamente verdade. Mas não posso dizer que foi o que aconteceu no Baleizão.

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