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Afinal, a maioria dos pássaros tem mesmo olfato

Duas pesquisas recentes vêm por fim a crenças seculares que defendiam a inexistência de olfato em algumas aves, com especial destaque para os pássaros. A primeira encontrou dezenas de recetores olfativos nas espécies analisadas, enquanto que a segunda atestou o uso do olfato pelas cegonhas brancas europeias no processo de eleição dos campos onde se vão fixar.

Ao contrário da crença que vigorava no meio científico, a grande maioria dos passeios tem, afinal, olfato. A descoberta surge após duas pesquisas, publicadas recentemente, que partiram da observação do comportamento das aves e do uso de hardware molecular.

No primeiro caso, foram documentadas dezenas de recetores olfativos funcionais em múltiplas espécies de aves, enquanto que no segundo foi observado a influência do cheiro a erva recém cortada nas cegonhas e no processo de escolha das suas casas.

Em 2008, um ecologista molecular, Silke Steiger, analisou o genoma de nove pássaros em diferentes posições da árvore familiar dos pássaros, revelando a existência de muitos genes para os recetores olfativos — proteínas nas passagens nasais que ligam os odores e transmitem um sinal ao cérebro.

Nas espécies que não estão tão dependentes do cheiro, como é o caso dos humanos, estes genes sofrem mutações tendencialmente e tornam-se não funcionais.

No entanto e através dos resultados das pesquisas recentes, os cientistas descobriram que os genes olfativos dos pássaros mantêm intactos-se.

Além disso, descobriram que o número destes genes se correlacionava com o tamanho do bolbo olfativo das espécies em casa e com o o centro do cheiro do cérebro — comprovando, mais uma vez, que os recetores eram funcionais. No entanto, os genomas usados no estudo estavam incompletos.

Os biólogos Christopher Balakrishnan e Robert Driver, investigadores da Universidade da Carolina Este, examinaram então alguns dos genomas de pássaros disponíveis e, em algumas espécies, descobriram muitos mais genes olfativos.

A análise incluiu genomas de beija-flores, galinhas, zebras de tentilhão e um comedor de fruta tropical, chamado manakin, revelou dezenas de novos recetores olfativos.

O caso particular do emu deixou Whittaker especialmente entusiasmado, já que estes passos se posicionam na base da árvore familiar dos pássaros. “Este resultado revela que o antepassado de todas as aves deve ter tido um conjunto muito diversificado de recetores olfativos.”

A pesquisa, cujas conclusões foram publicadas no jornal oficial da Oxford Academic a 28 de Junho, também indiciam que o cheiro poderá ter sido importante para as aves desde os seus inícios no planeta Terra, algo que é possível constatar através da comparação dos seus genes olfativos recetores — característica que permanece atualmente.

Balakrishnan e Driver também chegaram à conclusão de que um conjunto diversificado de recetores olfativos, que só pode ser encontrado nas aves, se dividiu em múltiplos tipos específicos para diferentes espécies — o que sugere que estes genes evoluíram rapidamente à medida que as aves se diversificaram.

A seleção natural também pode ter contribuído para o processo com o aperfeiçoamento dos genes para a realização das tarefas cruciais, aponta a Science.

No que concerne ao segundo estudo, liderado por Martin Wikelsi, a motivação para estudar a temática do olfato das aves surgiu após a intervenção de uma criança, estudante numa escola primária alemã, que questionou os cientistas sobre o processo de migração da população local de cegonhas brancas europeias — a qual se fixou num terreno com erva recém cortada onde as suas presas, insetos e roedores, estão mais expostas.

Par responder a esta questão, Wikelsi pilotou um avião em círculos, o que lhe permitiu observar o percurso feito por um bando de 70 cegonhas durante dias de sol durante a primavera e o verão. O cientista constatou que as aves, mesmo quando não conseguiam ver ou ouvir o corte, mostravam uma tendência por se alojar em campos recém-cortados.

De forma a confirmar a suspeita, a equipa pulverizou um spray com cheiro a erva cortada em campos que não tinham sido intervencionados recentemente. Como é possível ler no artigo publicado a 18 de junho, na revista Scientific Reports, as cegonhas “vieram em massa”. Segundo Whittaker, o trabalho comprova “muito claramente que estas aves dependem exclusivamente do seu sentido de olfato para tomarem decisões”.

Para além dos estudos citados, outras investigações parecem comprovar que as aves respondem aos apelos das “plantas feridas”. É o caso do grande chapim e do chapim azul, que localizam insetos que atacam pinheiros, através dos químicos voláteis que as árvores libertam devido ao stress.

Segundo Elina Mäntylä, do Centro de biologia da Academia Checa das Ciências, estes resultados mostram que o olfato das aves “não pode ser ignorado”. A investigadora diz também que as descobertas podem contribuir para uma nova forma de controlo natural das pragas, já que os agricultores podem investir em produtos químicos que atraiam as aves para devorar os insetos invasores e, desta forma, libertar a flora ameaçada.

Aves sem olfato, um mito com quase 200 anos

As descobertas recentes põem em causa descobertas com quase 200 anos, altura em que John James Audubon, um famoso naturalista americano, testou a possibilidade de os abutres possuírem olfato quando escondeu uma carcaça de porco em decomposição sob uma pilha de arbustos.

Perante a reação dos abutres, que não vendo a carcaça do porco se aglomeraram na pele de um veado quase sem odor, Audubon achou ter encontrado a prova necessária de que os abutres preferiam a visão em detrimento do olfato para encontrar a sua comida.

A experiência veio apenas cimentar uma ideia que era já crença popular — tendo, ainda, prevalecido no tempo apesar de evidências contrárias apresentadas, por exemplo, por caçadores.

Há 40 anos, Floriano Papi, etólogo, também apresentou a possibilidade de os pombos-correio encontrarem sempre o caminho de regresso ao poleiro certo através do cheiro da assinatura química — uma ideia rapidamente descartada pelos seus pares.

Estes realçaram que as aves têm outros sentidos, muito mais apurados, para as orientar, aos quais se junta, no caso dos pombos, um sentido magnético.

Nessa altura, avança Danielle Whittaker, “os livros escolares já afirmavam inequivocamente que as aves têm pouco ou nenhum sentido de olfato, e muitas pessoas ainda acreditam nisso — incluindo cientistas”.

Não obstante, evidências contrárias começavam a acumular-se. Em 1960, o ornitólogo Kenneth Stager reavaliou os resultados da pesquisa feita por John James Audubon, ao colocar carcaças escondidas no interior de caixas e aumentado a extensão da propagação do odor através de ventiladores.

Desta feita, os abutres foram mesmo atraídos, talvez pelo nível menos elevado no processo de decomposição das carcaças da experiência anterior.

Anos mais tarde, os cientistas também descobriram que albatrozes, cisalhas e outras aves marinhas encontram as suas pressas de peixes ao detetar um químico libertado pelo plâncton que o peixe come.

Estas aves são, ainda assim, forçadas a navegar muitos quilómetros por mares sem características excecionais, o que dificulta qualquer prova ou ligação.

ARM, ZAP //

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