Uma discrepância nas datas de elaboração e de assinatura do auto de notícia que relata a invasão à academia do Sporting motivou, esta terça-feira, a apresentação de um requerimento de impugnação subscrito por vários advogados.
No segundo dia do julgamento que decorre em Monsanto, Márcio Alves, o comandante do posto territorial de Alcochete que assinou, juntamente com Fábio Castro, o auto de notícia dos acontecimentos ocorridos a 15 de maio de 2018, admitiu nem ter “dormido naquele dia”, por ter estado a trabalhar, e disse ter assinado o auto, que tem data de 15, “no dia seguinte [16], ou no outro a seguir [17]”.
O militar admitiu, no tribunal de Monsanto, em Lisboa, ter redigido as duas primeiras páginas do auto, um documento grande, que foi fruto da “conjugação do trabalho de muitos colegas”.
Miguel Matias, o primeiro advogado a requerer a nulidade do auto de notícia, lembrou no final da sessão que “foi a partir do referido auto, elaborado por um órgão de polícia criminal, que foram detidas pessoas, aplicadas medidas de coação e feitas acusações”.
Tendo em conta as declarações de Márcio Alves perante o coletivo de juízes, presidido por Sílvia Pires, o advogado considerou que “a prova não deve ser validada para efeito de condenação”, tendo sido secundado por outros dois colegas no requerimento de nulidade.
Márcio Alves foi o primeiro militar a ser alertado para os acontecimentos ocorridos na academia do Sporting, ao receber, “no telefone de serviço, uma chamada do diretor de segurança da academia, Ricardo Gonçalves, às 17h06, a dizer que estava lá um grupo de 100 adeptos para falar com os jogadores”.
O militar explicou que logo depois ligou para Tiago Mateus, também do posto de Alcochete e também ouvido hoje em tribunal, acrescentando: “A meio do trajeto recebemos outra chamada, do diretor de segurança, a dizer que já tinham ocorrido agressões”.
O comandante do posto, que, entretanto, se deslocou para a academia dos leões, onde já estava uma patrulha liderada por Tiago Mateus, admitiu que, “já algum tempo depois dos factos”, viu várias figuras do universo leonino, “como o presidente Bruno de Carvalho e o treinador da equipa de futebol Jorge Jesus”.
Na sessão de hoje, André Medinas, o primeiro militar da GNR a entrar na academia após a invasão por um grupo de adeptos, descreveu como “um misto de sensações negativas” o ânimo dos futebolistas e disse não ter visto nenhum “visivelmente ferido”.
André Medinas, ouvido hoje no tribunal de Monsanto, referiu ter entrado na área profissional da academia depois das agressões, com a incumbência de preservar o local e comunicar com os jogadores.
“Havia um misto de sensações negativas. O Rui Patrício estava a tentar acalmar os ânimos. Uns queriam ir embora, outros queriam ir para o hospital, outros estavam mais calmos”, disse André Medinas, acrescentando: “O Mathieu estava bastante sereno”.
O militar da GNR referiu não ter visto “nenhum jogador visivelmente ferido”, nem marcas de sangue na zona, ao contrário de Tiago Mateus, comandante da primeira patrulha do posto territorial de Alcochete a chegar ao local, que, durante a manhã, assumiu ter visto, mais tarde, “manchas vermelhas no balneário”.
Questionado por Miguel Fonseca, advogado de Bruno de Carvalho, André Medinas disse não se lembrar “com toda a certeza” de ter visto o antigo presidente do Sporting na academia, depois do ataque: “Presumo que sim, estou convencido que sim, mas não tenho 100% de certeza”.
Ao longo da sessão, durante a qual foram ouvidos três militares do posto da GNR de Alcochete, vários advogados dos 44 arguidos insistiram em questões relacionadas com as três viaturas que tentaram abandonar o local após o ataque.
O julgamento do processo do ataque à academia de futebol do Sporting, em Alcochete, que prossegue na quinta-feira, envolve 44 arguidos, entre os quais o ex-presidente Bruno de Carvalho.
Segundo a acusação do Ministério Público, a equipa de futebol do Sporting foi atacada na academia do clube por elementos do grupo organizado de adeptos da claque Juventude Leonina e do subgrupo Casuais (Casuals), que agrediram técnicos, jogadores e staff.
Bruno de Carvalho, que atualmente trabalha como comentador, Mustafá, líder da Juventude Leonina, e Bruno Jacinto, ex-oficial de ligação aos adeptos do Sporting, estão acusados, como autores morais, de 40 crimes de ameaça agravada, de 19 crimes de ofensa à integridade física qualificada e de 38 crimes de sequestro, todos estes (97 crimes) classificados como terrorismo.
Os três arguidos respondem ainda por um crime de detenção de arma proibida agravado e Mustafá também por um crime de tráfico de estupefacientes.
Aos arguidos que participaram diretamente no ataque à academia, o MP imputa-lhes a coautoria de 40 crimes de ameaça agravada, de 19 crimes de ofensa à integridade física qualificada e de 38 crimes de sequestro, todos estes (97 crimes) classificados como terrorismo.
Estes 41 arguidos vão responder ainda por dois crimes de dano com violência, por um crime de detenção de arma proibida agravado e por um crime de introdução em lugar vedado ao público.
// Lusa