A ausência de Emmanuel Macron dos debates e a atenção mediática consagrada à guerra na Ucrânia podem afastar os franceses das urnas.
“A falta de debate pode levar ao desinteresse dos franceses e a uma abstenção muito elevada”, afirmou Vincent Martigny, professor de Ciência Política na Universidade de Nice e na Escola Politécnica, em declarações à Lusa.
A campanha eleitoral começa oficialmente em França na segunda-feira e o politólogo declarou-se preocupado por considerar que, sem um debate que prenda a atenção dos eleitores, os franceses poderão ser “privados de uma deliberação verdadeiramente democrática”.
Também receia que o Presidente e candidato Emmanuel Macron “se esconda atrás do passado” para não discutir o seu futuro programa com os restantes candidatos.
“Acho que ele (Macron) deveria correr mais riscos. […] Se não conseguir apaziguar a situação social através de um debate coletivo, ou seja, apresentar o seu projeto à sociedade francesa e ouvir o contraditório, é possível que a sociedade se exprima de outra maneira, por exemplo, através de movimento sociais”, indicou o investigador.
Numa sondagem do instituto BVA para rádio RTL publicada esta semana, 29% dos franceses dizem que não pensam votar nestas eleições, um número que ultrapassaria o recorde de 2002 na primeira volta da eleição que se elevou a 27,63%.
Para Vincent Martigny, estas eleições acontecem num momento “fora do comum” devido às circunstâncias internacionais, mas a eleição em si “é previsível”, com Emmanuel Macron a liderar todas as sondagens.
“As circunstâncias fazem com que, a priori, seja possível que os franceses decidam perante as circunstâncias reeleger o líder que já está no poder. Mesmo se o país não está diretamente em perigo, está indiretamente ligado a este conflito”, disse.
Mesmo com Marine Le Pen, na extrema-direita, a posicionar-se no segundo lugar e Jean-Luc Melenchon, na extrema-esquerda, no terceiro lugar na preferência dos franceses, as famílias políticas tradicionais em França à esquerda e à direita têm tido dificuldades em encontrar uma alternativa a Emmanuel Macron.
“Em cinco anos, nenhuma família política francesa conseguiu encontrar uma alternativa a Emmanuel Macron, que se situa no espaço central, onde está a maioria do eleitorado francês. As alternativas que surgiram foram radicais, muito marcadas politicamente, num país que se situa ao centro. É um paradoxo”, indicou Vincent Martigny, explicando que o funcionamento da V República em França deixa pouco espaço para a oposição.
Por outro lado, a campanha, que ganhou mais energia a partir de janeiro, não tem estado no primeiro plano mediático, o que prejudica os candidatos, com exceção do Presidente. O fim das medidas mais restritivas de combate à covid-19 coincidiu com o início da guerra na Ucrânia, em relação à qual Macron tem sido muito ativo.
Em 2019, Martigny escreveu o livro “Le retour du prince (O regresso do príncipe)”, onde apontava a crescente tendência para a personalização da política em figuras carismáticas como Barack Obama, Emmanuel Macron, Donald Trump ou Jair Bolsonaro.
Sobre o fenómeno que divide a extrema-direita em França, o ex-jornalista e comentador político Eric Zémmour que não hesita em lançar frases misóginas ou racistas incendiárias e tem descido nas sondagens, Martigny previu que este candidato “vai falhar” por um erro de cálculo.
“Parece-me que Eric Zémmour vai falhar, mas não penso que seja devido à sua ideologia. Penso que não foi a admiração por Vladimir Putin que foi o ponto fraco de Zémmour, porque ele ainda aparece num lugar confortável nas sondagens. Penso que foi uma questão de estratégia, ele queria fazer como Donald Trump, pensando que a radicalização se poderia apoiar na raiva do povo francês, mas foi uma má estimativa da situação porque a França não é os Estados Unidos”, declarou.
No entanto, o politólogo alerta para a radicalização do discurso deste campo político nos próximos anos.
“Zémmour exagerou o seu nível de radicalismo. Mas será que algum dia ele pensou que poderia ganhar? Será que o seu objetivo não era alargar a janela do discurso de ódio que pode haver em França e que permitirá, no futuro, uma verdadeira recomposição da direita?”, questionou o politólogo.
As eleições presidenciais francesas contam com 12 candidatos e a primeira volta vai decorrer a 10 de abril, com a segunda volta marcada para 24 de abril. Apesar de os candidatos estarem na estrada há muitos meses, a campanha eleitoral começa oficialmente em França a 28 de março.
// Lusa