Instabilidade ou remanescente de uma colisão? O que provocou a distorção da nossa galáxia tem sido objeto de debate, que pode finalmente ter chegado ao fim.
Quando a maior parte de nós imagina a forma da Via Láctea, pensamos numa massa central rodeada por um disco achatado de estrelas em espiral. No entanto, os astrónomos sabem que, em vez de ser simétrica, a estrutura do disco é deformada, mais como a borda de um chapéu de feltro, e que as bordas empenadas estão constantemente a mover-se em torno da orla externa da Galáxia.
“Se já viu o público a fazer uma onda num estádio, é muito semelhante a esse conceito,” disse Xinlun Cheng, estudante de astronomia da Faculdade de Artes e Ciências da Universidade da Virgínia.
“Cada membro da plateia levanta-se e depois senta-se no momento certo e na ordem certa para criar a onda que percorre o estádio. Isso é exatamente o que as estrelas da nossa Galáxia estão a fazer. Só que neste caso, à medida que a onda percorre o disco da Galáxia, o disco também gira em torno do centro. Em termos de analogias desportivas, é como se o próprio estádio também estivesse a girar”, acrescentou.
O que provocou esta distorção tem sido objeto de debate. Alguns investigadores sugerem que o fenómeno é resultado da instabilidade da própria Via Láctea, enquanto outros afirmam que é o remanescente de uma colisão com outra galáxia no passado distante.
Um artigo recente publicado no The Astrophysical Journal por Cheng, que estuda os movimentos das estrelas, e pelos seus colegas Borja Anguiano, investigador pós-doutorado e Steven Majewski, professor do Departamento de Astronomia da mesma faculdade, pode finalmente terminar esse debate.
Usando dados do observatório espacial Gaia, um satélite lançado em 2013 pela ESA a fim de medir as posições, distâncias e movimentos de milhares de milhões de estrelas e informações do APOGEE, um espectrógrafo infravermelho desenvolvido pela Universidade da Virgínia para examinar a composição química e os movimentos das estrelas, os astrónomos têm agora as ferramentas para observar os movimentos das estrelas na Via Láctea com um grau de precisão sem precedentes.
“Ao combinar as informações do instrumento APOGEE com informações do satélite Gaia, estamos a começar a entender como os diferentes componentes da Via Láctea se movem”, disse Anguiano, que se interessa tanto pelos movimentos desses componentes quanto por quais os fenómenos que podem ter originalmente provocado esses movimentos.
“Agora é possível caracterizar esses movimentos com uma sensibilidade sem precedentes devido à precisão e robustez estatística do enorme catálogo de estrelas analisadas pelo satélite Gaia,” explicou Majewski.
“Entretanto, a nossa própria grande base de dados de químicas estelares gerada pelo APOGEE dá-nos a capacidade única de inferir idades estelares. Isto permite-nos explorar como é que estrelas de idades diferentes participam na distorção e permite-nos ver quando foi produzida. Sabendo isto dá-nos então uma ideia de porque é que foi produzida.”
Usando esses dados, Cheng e colegas desenvolveram um modelo que caracteriza os parâmetros da distorção galáctica, onde começa no disco externo, a velocidade com que a distorção está a mover-se e a forma da distorção.
O modelo ajudou-os a determinar que a deformação, que não afeta o nosso próprio Sol, mas que está a passar pelo nosso Sistema Solar agora a velocidades que permitem com que faça uma rotação completa em torno da galáxia cada 450 milhões de anos, não é resultado da massa interna da própria Via Láctea.
Ao invés, é a relíquia de um puxão gravitacional no disco da Via Láctea devido à passagem próxima de uma galáxia satélite, possivelmente a galáxia Anã de Sagitário, há cerca de 3 mil milhões de anos.
“Ainda podemos ver o disco da nossa galáxia a ‘tremer’ como resultado,” disse Anguiano.
Os dados que a equipa recolheu com as novas ferramentas disponíveis para os astrónomos podem ser apenas o início de uma nova onda de descobertas sobre o nosso Universo e de como surgiu.
“Estamos a entrar numa nova era da astronomia, especialmente na astronomia Galáctica, em que medimos o movimento das estrelas com um tal nível de precisão que podemos mapear os seus percursos orbitais passados e começar a entender como podem ter sido afetados e como outras galáxias que se aproximaram da nossa interagiram com estrelas conforme estas nasciam,” disse Anguiano.
“Este nível de precisão abriu uma nova porta para a compreensão do passado da nossa Galáxia e de como foi organizada”, rematou.
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