A polícia brasileira está a jogar ao Dilema do Prisioneiro com Bolsonaro

O ex-presidente brasileiro foi ouvido no âmbito de um inquérito que pretende apurar se cometeu crimes de peculato ao ficar com os objetos de luxo que recebeu como presente. A polícia brasileira aplicou aparentemente no inquérito uma tática baseada na Teoria dos Jogos: o famoso Dilema do Prisioneiro.

O antigo presidente Jair Bolsonaro prestou esta quarta-feira depoimentos durante cerca três horas, na sede da Polícia Federal (PF) em Brasília, no âmbito de uma investigação sobre um conjunto de joias recebidas da Arábia Saudita em 2021.

Bolsonaro chegou ao edifício da PF um pouco antes das 14h30 — à mesma hora marcada para os depoimentos dos outros inquiridos no processo. A estratégia, diz a Deutsche Welle, visava evitar combinação de respostas.

Entre os inquiridos encontra-se Mauro Cid Barbosa, tenente-coronel do Exército e então chefe de gabinete de Bolsonaro, cujo depoimento foi recolhido em São Paulo.

Mas, diz a BBC Brasil, a escolha de datas, horários e locais para a recolha de depoimentos foi tudo menos aleatória — e teve como objetivo mais do que impedir a “sincronização das respostas”.

A estratégia por trás desta agenda, que, segundo consideram advogados ouvidos pela BBC Brasil, é “invulgar”, seria na realidade pôr em prática os mecanismos de um conceito experimental estudado por matemáticos, economistas, psicólogos e cientistas sociais há quase 70 anos: o famoso Dilema do Prisioneiro.

Mas o que é exatamente este dilema, e como se pode aplicar numa situação em que ninguém está sequer, para já, detido?

O mecanismo que ficou conhecido como “Dilema do Prisioneiro” faz parte de uma área de estudo mais ampla chamada Teoria dos Jogos, que analisa a forma como indivíduos ou entidades envolvidos numa determinada situação procuram melhorar os seus resultados.

Na segunda metade do século XX, a Teoria dos Jogos tornou-se uma das principais bases teóricas de um campo das Ciências Económicas que ficou conhecido como Economia Comportamental.

Nos início dos anos 1950, o “Dilema do Prisioneiro” começou a ser estudado pelos cientistas Melvin Dresher e Merrill Flood e tornou-se famoso depois de ser formulado pelo matemático norte-americano Albert William Tucker.

Os três investigadores procuravam compreender os mecanismos que levavam diferentes indivíduos a cooperar entre si.

Uma das formulações mais conhecidas do dilema é a seguinte:

Dois indivíduos, suspeitos de ter cometido um crime grave, são detidos e colocados em celas separadas. O procurador encarregado do caso não tem provas suficientes para os condenar, e oferece então a cada um dos detidos o seguinte acordo:

    • se um dos prisioneiros, confessando, testemunhar contra o outro e esse outro permanecer em silêncio, o que denunciou o cúmplice é libertado, enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de sentença;
    • se ambos ficarem em silêncio, a justiça só pode condená-los a 1 ano de cadeia cada um;
    • se ambos traírem o comparsa, cada um leva 5 anos de cadeia.

O resultado de cada escolha depende da escolha do cúmplice, mas, infelizmente, nenhum deles sabe o que o outro vai escolher fazer.

Segundo a Teoria dos Jogos, há uma forma de ambos saírem a ganhar: cada um deles confiar que o cúmplice não o vai denunciar, e nenhum deles denunciar o cúmplice — a escolha “mais vantajosa para o grupo”.

Mas, conforme revelaram inúmeros estudos acerca deste dilema, na maioria dos casos, cada um dos prisioneiros cai na armadilha de pensar que a melhor opção para ter uma pena mais branda é apostar em confessar e trair o parceiro — que, lamentavelmente, é a mesma escolha do cúmplice.

Assim, frequentemente ambos os prisioneiros denunciam o cúmplice, sendo ambos condenados a penas muito mais longas do que se tivessem ambos cooperado, optado por ficar em silêncio.

Giulia Forsythe / Flickr

A Matriz do Dilema do Prisioneiro

Casos como este são recorrentes na economia, na biologia e na estratégia. Na esfera criminal, o Dilema do Prisioneiro e a Teoria dos Jogos são frequentemente usados para explicar os mecanismos que levam pessoas a delatar crimes a partir de incentivos previamente estabelecidos.

No caso das prendas oferecidas a Bolsonaro, os investigadores procuram determinar, por exemplo, se o ex-presidente tinha ou não conhecimento de que as joias tinham sido apreendidas pelas Finanças brasileiras — e se foi ele quem ordenou a Mauro Cid que as tentasse reaver.

Sendo na altura Mauro Cid um dos seus assessores mais próximos de Bolsonaro, há alguma expectativa em relação ao que ambos irão responder quando forem questionados sobre estes dois temas.

A recolha simultânea dos dois depoimentos não é uma garantia de que as duas versões não possam ter sido combinadas previamente.

Assim, a estratégia da Polícia Federal pode mesmo ser colocar Bolsonaro e Mauro Cid a jogar ao Dilema do Prisioneiro. E este é um jogo de traição versus confiança.

ZAP // BBC / Deutsche Welle

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