A acreditar nas suas confissões, a fabricante de poções letais Giulia Tofana está entre os assassinos em série mais prolíficos da história. E Mozart acreditava ter sido uma das suas vítimas
Giulia Tofana era uma envenenadora profissional do século XVII que vendia a sua mistura letal secreta a mulheres que queriam matar os seus maridos.
Depois de ter sido apanhada, Tofana confessou que, segundo estimava, teria sido responsável por cerca de 600 mortes — o que faria dela uma das assassinas mais prolíficas da história.
Alegadamente, Tofana terá conseguido sintetizar, com uma fórmula por si desenvolvida, um veneno insípido e indetetável, que disfarçava em frascos de maquilhagem.
O seu reinado secreto de terror durou quase 20 anos, segundo algumas estimativas, e, recorda o All That’s Interesting, apenas terminou quando foi denunciada por uma das suas clientes, atormentada pela culpa de ter matado o marido.
Em muitos aspetos, o negócio sinistro de Giulia Tofana era simplesmente um produto da época. Na Itália do século XVII, as mulheres eram leiloadas como objetos para casamentos sem amor e muitas vezes abusivos.
Estas mulheres não tinham qualquer poder financeiro ou social e só tinham três opções à sua disposição: casar, ficar solteiras e depender do trabalho sexual para sobreviver, ou tornar-se uma viúva respeitada e abastada — o que exigia a primeira opção. Para muitas mulheres, esta terceira opção era a mais atrativa.
Felizmente (para estas mulheres, claro), a Roma do século XVII tinha um florescente “submundo mágico criminoso” que fornecia todos os serviços que o tornavam possível. Esta comunidade clandestina, nas grandes cidades europeias, era composta por alquimistas, boticários e especialistas em “magia negra”.
Na realidade, estes especialistas não se dedicavam tanto às artes negras, mas resolviam problemas que os médicos ou padres da época não podiam ou não queriam, como fazer abortos.
Embora não se saiba muito sobre o passado de Giulia Tofana, acredita-se que tenha nascido por volta de 1620 em Palermo, na Sicília, filha de Thofania d’Amado.
Thofania D’Amado tinha a sua própria história negra e, em 1633, foi executada pelo assassínio do marido. A sua alegada arma de eleição? Veneno.
Giulia Tofana também ficou viúva cedo. Mudou-se com a filha, Girolama Spara, para Nápoles, e mais tarde para Roma. Seguindo as pisadas da mãe, e talvez até usando a sua receita, Tofana terá começado a vender a sua própria mistura letal.
Com a ajuda da filha e de um grupo de mulheres de confiança, Tofana ganhou a reputação de amiga das mulheres com problemas.
O seu grupo de envenenadores pode também ter recrutado um padre romano local, o Padre Girolamo, para participar secretamente na sua rede criminosa. Acredita-se que Girolamo fornecia o arsénico para o veneno e que Tofana o disfarçava de cosmético para as suas clientes.
Se alguém fizesse perguntas sobre o florescente negócio de Tofana, bastava-lhe mostrar os frascos de “Aqua Tofana“, um creme ou óleo facial cobiçado pelas mulheres que queriam voltar a ser solteiras.
Tofana embalava o seu veneno de forma a que se pudesse misturar facilmente no toucador de uma mulher, ao lado da maquilhagem, das loções e dos perfumes.
Embora fosse conhecido pelos seus clientes como Aqua Tofana, o frasco de vidro em si era rotulado como “Maná de São Nicolau de Bari“, que na altura era um óleo curativo popular para as manchas.
Apesar da sua subtileza, a Aqua Tofana era poderosamente letal. A mistura incolor e insípida podia matar um homem com apenas quatro a seis gotas.
Mas o verdadeiro detalhe genial por trás do veneno crido por Tofana era o facto de ser indetetável mesmo depois da morte. Matava a vítima ao longo de dias, imitando uma doença.
Administrado através de uma espécie de líquido, as primeiras doses induziam fraqueza e exaustão. A segunda dose causava sintomas como dores de estômago, sede extrema, vómitos e disenteria.
O declínio gradual, no entanto, dava à infeliz vítima da poção fatal a oportunidade de pôr os seus assuntos em ordem, o que geralmente significava assegurar que a sua futura viúva seria bem tratada após a sua morte.
Finalmente, com uma terceira ou quarta dose administrada durante os dias seguintes, o homem encontrava o seu destino.
De acordo com a maioria dos relatos, o negócio de Tofana enganou com sucesso as autoridades durante décadas em toda a Itália do século XVII. Tofana poderia até ter passado despercebida para sempre — se não fosse por uma tigela de sopa.
Em 1650, uma mulher serviu ao marido uma tigela de sopa misturada com uma gota de Aqua Tofana. No entanto, antes que o marido pudesse comer uma colherada, a mulher mudou de ideias e implorou-lhe que não a comesse.
Isto levantou as suspeitas do marido, que maltratou a mulher até ela confessar que tinha envenenado a comida, e a entregou imediatamente às autoridades. Após umas quantas sessões de tortura, a mulher admitiu que tinha comprado Aqua Tofana a Giulia Tofana.
Com as autoridades à sua procura, Tofana fugiu para uma igreja local, onde lhe foi concedido refúgio — até se espalhar o rumor de que tinha usado a sua Aqua Tofana para envenenar o abastecimento de água local.
A igreja foi rapidamente invadida e Tofana foi presa.
Brutalmente torturada, Giulia Tofana confessou ter matado 600 homens com a venda do seu veneno, entre 1633 e 1651, o que fez dela a mentora de uma das mais notórias conspirações de assassínio da história.
Tofana foi finalmente executada, no Campo das Flores, em Roma, em 1659, juntamente com a filha e três dos seus ajudantes.
Mais de 40 clientes de Tofana, de classe baixa, foram também executadas, mas as mulheres da classe alta foram apenas presas ou escaparam ao castigo, insistindo que nunca souberam que os seus “cosméticos” eram, na realidade, veneno.
Há quem acredite que, mais de um século depois da morte de Tofana, a sua mistura tenha estado envolvida na morte do lendário Wolfgang Amadeus Mozart, que adoeceu com apenas 35 anos de idade.
Enquanto a sua saúde se deteriorava, o compositor terá dito: “Tenho a certeza de que não vou durar muito mais tempo; tenho a certeza de que fui envenenado. Não consigo livrar-me desta ideia… Alguém me deu Acqua Tofana e calculou a hora exacta da minha morte”.
A receita exacta de Giulia Tofana nunca foi descoberta. Acredita-se que usava uma mistura de arsénico, chumbo e beladona, que era comummente utilizada em cosméticos ao longo do século XVII.
Beladona tornou-se sinónimo de “mulher bonita”, embora a sua alcunha mais correta seja “erva-moura mortal” — um nome muito adequado à ferramenta de eleição de qualquer femme fatale competente.