A Coreia do Sul está finalmente a acertar as contas com um dos maiores escândalos da sua história

Este ano, pela primeira vez, a Coreia do Sul reconheceu violações de direitos humanos através do seu programa de adoção no estrangeiro, através do qual exportou “como bagagens” cerca de 200 mil crianças para fora do país nas décadas que se seguiram à Guerra da Coreia.

Kim Tak-un tinha quatro anos quando foi adotado por uma família sueca em 1974.

Natural da Coreia do Sul, Tak-un vivia com o pai, um trabalhador braçal solteiro que se deslocava frequentemente devido ao trabalho. Um dia, no verão de 1974, enquanto estava em casa da tia, Tak-un saiu à rua e desapareceu.

A polícia local considerou-o abandonado e encaminhou-o para uma agência de adoção, que organizou a sua adoção para a Suécia em cinco meses.

Quando o pai percebeu que o filho estava desaparecido, procurou-o por todo o lado. Acabou por descobrir – tarde demais – que Tak-un já tinha sido enviado para o estrangeiro. Devastado, exigiu o regresso de Tak-un. Quando a agência de adoção não respondeu, tornou a história pública.

Mais de 50 anos depois, pela primeira vez, a Coreia do Sul reconheceu violações de direitos humanos através do seu programa de adoção no estrangeiro, através do qual exportou “como bagagens” cerca de 200 mil crianças para fora do país nas décadas que se seguiram à Guerra da Coreia.

Em março de 2025, a Comissão para a Verdade e Reconciliação da Coreia do Sul divulgou as conclusões iniciais da sua investigação ao programa de adoções internacionais do país, com 72 anos.

Com base em mais de 360 casos apresentados por adotados coreanos de 11 países, a comissão revelou violações generalizadas dos direitos humanos, incluindo documentos falsificados, ausência de consentimento parental e casos de troca de crianças – abalando os adotados e as suas famílias.

Um dos maiores escândalos da história

Desde o fim da Guerra da Coreia (1950–1953), a Coreia do Sul enviou mais de 200.000 crianças para o estrangeiro, tornando-se o maior país exportador de crianças para adoção no mundo, mesmo enquanto se transformava numa economia desenvolvida.

Estudos existentes mostraram que a adoção internacional da Coreia do Sul começou como uma resposta ao elevado número de crianças mestiças nascidas de mães coreanas e soldados americanos durante a guerra.

Estima-se que milhares dessas crianças tenham nascido, e o primeiro presidente da Coreia do Sul, Syngman Rhee, ordenou o seu envio para o estrangeiro com o argumento de que eram “inadequadas” para uma nação idealizada como etnicamente homogénea.

No entanto, a adoção internacional não terminou quando esta “emergência” foi ultrapassada. A partir de meados da década de 1960, expandiu-se para incluir crianças de outros contextos vulneráveis, incluindo as afetadas pela pobreza, desestruturação familiar e nascimentos fora do casamento.

Isto esteve intimamente ligado às políticas levadas a cabo pelos regimes militares da Coreia do Sul. A figura mais importante foi Park Chung Hee, um general militar que chegou ao poder através de um golpe de Estado em 1961 e governou até ao seu assassinato em 1979.

O seu regime deu prioridade ao crescimento económico rápido, relegando o bem-estar social para a mais baixa das prioridades. O cuidado infantil era tratado como uma responsabilidade individual, e não do Estado.

Os sistemas públicos para categorizar e cuidar de crianças – fossem abandonadas, perdidas ou fugidas – eram extremamente limitados, e as autoridades colocavam, na maioria dos casos, o ónus nos pais para recuperar os filhos separados. Isto é provavelmente o motivo pelo qual, após verificações mínimas, as autoridades encaminharam Tak-un para uma agência de adoção.

As autoridades ocidentais interpretavam frequentemente o profissionalismo dos assistentes sociais coreanos como prova de valores liberais partilhados no que diz respeito ao bem-estar infantil e depositavam forte confiança nos seus procedimentos. Quando surgiam falhas graves – como no caso de Tak-un – eram frequentemente descartadas como exceções e não como sinais de problemas sistémicos mais profundos.

Mesmo quando os factos foram confirmados em 1975, as autoridades suecas continuaram a recusar o regresso da criança.

O cônsul-geral sueco em Seul na altura, Lars Berg, argumentou que era do “melhor interesse” de Tak-un permanecer na Suécia, em vez de ser enviado de volta para “um destino incerto com o pai sem emprego nem residência”.

Isto refletia, em parte, a realidade interna da Suécia: como muitas sociedades ocidentais da época, a Suécia enfrentava uma escassez de crianças adotáveis, e a adoção internacional tornara-se uma forma importante de satisfazer os desejos de casais que queriam adotar.

No início da década de 1970, quase metade de todas as crianças adotadas internacionalmente que chegavam à Suécia vinham da Coreia do Sul. O que significava que, quando surgiam casos como o de Tak-un, as autoridades suecas davam prioridade aos direitos dos pais adotivos, enquadrando a sua defesa no discurso do bem-estar infantil.

No início do mês, a Comissão de Adoção da Suécia publicou o seu próprio relatório, examinando as práticas suecas de adoção internacional, incluindo as que envolviam a Coreia do Sul; recomendando o fim da possibilidade de suecos adotarem crianças no estrangeiro.

Tak-un nunca regressou. Segundo o The Conversation, usa o seu nome sueco e vive numa pequena localidade na Suécia. Apesar das tentativas de contacto, não respondeu. Continua incerto se a mensagem do pai alguma vez chegou até ele ou se sabe algo sobre os seus primeiros anos de vida na Coreia.

“Mas a história de Tak-un não é apenas uma exceção dolorosa – é um lembrete perturbador do que se perdeu em nome do cuidado”, escreve a investigadora Youngeun Ko, no artigo.

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