Bebés “exportados como bagagem”: Coreia do Sul admite crimes macabros

País reconheceu fraude escandalosa em milhares de processos de adoção em relatório histórico esta quarta-feira. “É apenas o começo”.

Pela primeira vez, a Coreia do Sul reconheceu a prática de fraudes e violações de direitos humanos através do seu programa de adoção no estrangeiro, através do qual enviou cerca de 200 mil crianças para fora do país nas décadas que se seguiram à Guerra da Coreia.

As conclusões, divulgada esta quarta-feira pela Comissão para a Verdade e a Reconciliação do governo sul-coreano, apontam para o facto de estas crianças terem sido “enviadas para o estrangeiro como bagagem“.

Agências de adoção sul-coreanas falsificavam sistematicamente documentos para facilitar a adoção de crianças, por vezes, apresentando como órfãs crianças que tinham os pais vivos, revelou a comissão. Em alguns casos, os bebés que morreram antes de serem adotados foram substituídos por outras crianças com a mesma identidade.

Entre as décadas de 1950 e 1990, a Coreia do Sul tornou-se a maior fonte de adoções internacionais do mundo, enviando principalmente crianças para os Estados Unidos e Europa.

O processo foi promovido como uma segunda oportunidade para os órfãos e as crianças abandonadas durante a pobreza do país no pós-guerra, mas o novo relatório aponta para uma realidade muito mais sombria: a adoção tornou-se um modelo de negócio lucrativo.

As agências de adoção cobravam às famílias adotivas milhares em taxas, que por sua vez seriam usadas para obter mais crianças.

O The New York Times relata casos angustiantes de afetados pela grande fraude. Um deles é o de uma menina chamada Chang. Adotada por uma família na Dinamarca em 1974, a sua agência de adoção mentiu e disse que a menina vinha de um orfanato, apesar de saber quem era a sua mãe.

Em 1988, essa mesma agência cobrava 1500 dólares de taxas de adoção e um “donativo” adicional de 400 dólares por criança.

Uma das vítimas de 56 casos classificados como violações de direitos humanos, Anja Pedersen, foi enviada para a Dinamarca em 1976 com o nome de uma rapariga que tinha morrido; Mia Lee Sorensen, enviada para a Dinamarca em 1987, foi informada de que a sua mãe tinha morrido à nascença.

Quando encontrou os seus pais biológicos em 2022, ficaram chocados ao saber que ela estava viva: sua mãe tinha ficado inconsciente durante o parto e mais tarde foi-lhe dito que o bebé tinha morrido.

A comissão não pode processar as agências de adoção envolvidas, mas as suas conclusões têm peso legal e o governo é obrigado a seguir as suas recomendações.

A comissão pediu que o Estado apresentasse um pedido formal de desculpas aos afetados. E isto “é apenas o começo”, disse uma das vítimas, Mary Bowers.

Outros países como a Noruega e a Dinamarca— a investigação da comissão começou no final de 2022 e recebeu 367 pedidos de análise de casos, a maioria da Dinamarca — abriram os seus próprios inquéritos, enquanto os Estados Unidos, o maior beneficiário de adoções coreanas, ainda não o fizeram.

ZAP //

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