Sem colisão, não haveria vida: a Terra precisou de “mantimentos” do espaço

Maggie Thompson, Stratospheric Observatory for Infrared Astronomy / NASA

Conceito artístico da colisão de dois exoplanetas rochosos

Num novo estudo, investigadores da Universidade de Berna conseguiram provar, pela primeira vez, que a composição química da Terra primitiva estava completa, o mais tardar, três milhões de anos após a formação do Sistema Solar — e de uma forma que, inicialmente, tornou impossível o aparecimento da vida.

Após a formação do Sistema Solar, foram necessários, no máximo, três milhões de anos para que a composição química do precursor da Terra ficasse completa. É o que mostra um novo estudo do Instituto de Ciências Geológicas da Universidade de Berna.

Porém, nessa altura, quase não existiam no jovem planeta elementos necessários à vida, como a água ou compostos de carbono. Só uma colisão planetária posterior terá trazido água para a Terra, abrindo caminho para a vida.

Até à data, a Terra é o único planeta conhecido onde existe vida — com água líquida e uma atmosfera estável. No entanto, as condições não eram propícias à vida aquando da sua formação.

A nuvem de gás e poeira a partir da qual se formaram todos os planetas do Sistema Solar era rica em elementos voláteis essenciais à vida, como o hidrogénio, o carbono e o enxofre.

No entanto, no Sistema Solar interior – a parte mais próxima do Sol, onde se encontram atualmente os quatro planetas rochosos Mercúrio, Vénus, Terra e Marte e a cintura de asteroides – estes elementos voláteis dificilmente poderiam existir: devido à elevada temperatura do Sol, não se condensavam e, inicialmente, permaneciam em grande parte na fase gasosa.

Como estas substâncias gasosas não foram incorporadas nos materiais rochosos sólidos a partir dos quais se formaram os planetas, o precursor primitivo da Terra, a chamada proto-Terra, também continha muito pouco destas substâncias vitais.

Apenas os corpos celestes que se formaram mais longe do Sol, em regiões mais frias, foram capazes de incorporar estes componentes. Quando e como a Terra se tornou um planeta propício à vida ainda não é totalmente compreendido.

Num novo estudo, investigadores do Instituto de Ciências Geológicas da Universidade de Berna conseguiram demonstrar, pela primeira vez, que a composição química da Terra primitiva estava completa, o mais tardar, três milhões de anos após a formação do Sistema Solar – e de uma forma que, inicialmente, tornou impossível o aparecimento da vida.

Os seus resultados, recentemente publicados na Science Advances, sugerem que a vida na Terra só foi possível graças a um acontecimento posterior.

Pascal Kruttasch, o primeiro autor do estudo, que fez parte da sua dissertação no Instituto de Ciências Geológicas, é  atualmente pós-doc no Imperial College London.

Usando um relógio preciso para medir a história da formação da Terra

A equipa de investigação utilizou uma combinação de dados de isótopos e elementos de meteoritos e rochas terrestres para reconstruir o processo de formação da Terra.

Utilizando cálculos de modelos, os investigadores conseguiram determinar, no tempo, como a composição química da Terra se desenvolveu em comparação com outros blocos de construção planetários.

Kruttasch explica: “Foi utilizado, para determinar a idade exata, um sistema de medição do tempo de alta precisão, baseado no decaimento radioativo do manganês-53. Este isótopo estava presente nos primórdios do Sistema Solar e decaía para crómio-53 com uma meia-vida de cerca de 3,8 milhões de anos”.

Este método permitiu determinar as idades com uma precisão inferior a um milhão de anos para materiais com vários milhares de milhões de anos.

“Estas medições só foram possíveis porque a Universidade de Berna possui competências e infraestruturas internacionalmente reconhecidas para a análise de materiais extraterrestres e é líder no campo da geoquímica isotópica”, afirma o coautor Klaus Mezger, professor de geoquímica na mesma instituição suíça de ensino.

Vida na Terra graças a uma coincidência cósmica?

Através de cálculos de modelos, a equipa de investigação conseguiu demonstrar que a assinatura química da proto-Terra, ou seja, o padrão único de substâncias químicas que a compõem, já estava completa menos de três milhões de anos após a formação do Sistema Solar.

O seu estudo fornece, assim, dados empíricos sobre o tempo de formação do material original da jovem Terra. “O nosso Sistema Solar formou-se há cerca de 4,568 milhões de anos. Considerando que foram necessários apenas 3 milhões de anos para determinar as propriedades químicas da Terra, isto é surpreendentemente rápido“, diz Kruttasch.

Os resultados do novo estudo apoiam, assim, a hipótese de que uma eventual colisão posterior com outro planeta, Theia, foi o ponto de viragem decisivo e transformou a Terra num planeta amigo da vida.

Theia formou-se provavelmente mais longe no Sistema Solar, onde se acumularam substâncias voláteis como a água. “Graças aos nossos resultados, sabemos que a proto-Terra era inicialmente um planeta rochoso seco. Por isso, podemos assumir que foi apenas a colisão com Theia que trouxe elementos voláteis para a Terra e que, em última análise, tornou a vida possível”, diz Kruttasch.

A existência de vida no Universo não pode ser considerada um dado adquirido

O novo estudo contribui significativamente para a nossa compreensão dos processos na fase inicial do Sistema Solar e fornece pistas sobre quando e como se podem formar planetas onde a vida é possível.

“A Terra não deve a sua atual aptidão para a vida a um desenvolvimento contínuo, mas provavelmente a um acontecimento fortuito – o impacto tardio de um outro corpo, rico em água. Isto torna claro que a existência de vida no Universo é tudo menos uma questão de rotina“, diz Mezger.

O próximo passo seria investigar mais pormenorizadamente o evento de colisão entre a proto-Terra e Theia.

“Até agora, este evento de colisão não é suficientemente bem compreendido. São necessários modelos que possam explicar completamente não só as propriedades físicas da Terra e da Lua, mas também a sua composição química e assinaturas de isótopos”, conclui Kruttasch.

// CCVAlg

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