A trágica história dos trigémeos que foram separados para um estudo psicológico

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Os gémeos idênticos Robert, David e Eddy nasceram num subúrbio de Nova Iorque em julho de 1961 e foram entregues para adoção ainda bebés para famílias diferentes.

Cresceram sem saber que tinham irmãos biológicos — aliás, nem os pais adotivos sabiam.

Quando eles se encontraram, totalmente por acaso, a história virou notícia e teve grande repercussão. Mas o que parecia uma história com final feliz acabou sendo muito mais complexa e sombria, quando veio à tona que os gémeos tinham sido separados como parte de uma experiência psicológica.

A história do reencontro começa em 1980, quando Robert “Bobby” Shafran, de 19 anos, chegou ao primeiro dia de aulas na faculdade, o Sullivan Community College, no Estado americano de Nova Iorque.

“Quando cheguei na faculdade, toda a gente estava a cumprimentar-me. ‘Oi, Eddie’. ‘Bem-vindo de volta, Eddie.’ ‘Eddie, o que estás a fazer aqui? Voltaste?’…”

Eddie Galland tinha estudado no Sullivan Community College no ano anterior, mas tinha desistido do curso. Assim que começou a frequentar a faculdade, Bobby chamou a atenção das pessoas que conheciam Eddie, entre eles, um amigo próximo dele, chamado Michael Domnitz, .

“Eu estive na faculdade no ano anterior com o Eddie”, contou Michael, “e sabia que ele não voltaria“.

“Mas Bobby tinha o mesmo sorriso, o mesmo cabelo, as mesmas expressões. Era seu sósia. A primeira coisa que saiu da minha boca foi: ‘Foste adotado?‘. E ele disse que sim. Aí perguntei: ‘O teu aniversário é em 12 de julho?’ E ele respondeu ‘Sim! Doze de julho de 1961’. ‘Meu Deus!’, eu disse, ‘tu não vais acreditar. Tens um irmão gémeo!’.

Bobby e Michael ligaram para Eddie e, algumas horas depois, foram à casa dele.

Eu encontrei-me a mim mesmo“, relatou Bobby sobre o encontro com Eddie. “Foi como se tivesse sido apresentado à minha pessoa… Foi ótimo, foi esquisito e, ao mesmo tempo, fantástico.”

“Começamos a fazer todos os tipos de pergunta um ao outro. Coisas triviais como ‘ficas com lábios muito maus todos os invernos?’. E a resposta era ‘sim, sempre, todos os anos’. E quase tudo sobre nós, até esses pequenos detalhes, era o mesmo. Foi muito louco. Ninguém pensou em por que a gente esteve separado por todo esse tempo. Tudo era alegria. Estávamos a viver uma aventura.”

A história desse inesperado encontro de gémeos que não sabiam da existência um do outro chegou aos jornais de Nova Iorque e chamou a atenção de outro jovem de 19 anos, chamado David Kellman, que tinha a mesma data de aniversário.

“Alguém me mostrou um artigo de um jornal intitulado ‘Gémeos idênticos reunidos depois de mais de 19 anos'”, contou David ao programa Outlook. “A foto estava um pouco granulada. Havia uma semelhança, mas parecia-me muito exagerada. E eu meio que descartei a coisa toda.”

“Mas no mesmo dia, um pouco mais tarde, encontrei um amigo que tinha outro jornal, o New York Post, que tinha uma foto bem mais clara. Esse amigo conhecia-me muito bem e ele imediatamente disse que eles eram a minha cara. Não havia como descartar isso.”

“Quando cheguei em casa, a minha mãe estava à minha espera. Ela tinha outro jornal nas mãos. Não tinha foto, mas o artigo mencionava a agência de adoção, o hospital e o aniversário dos dois. Que eram iguais aos meus. E soubemos que eu era um terceiro gémeo.”

No fim de semana seguinte, pela primeira vez, os três irmãos encontraram-se.

Aproximaram-se tanto e tão rapidamente que decidiram morar juntos e cursar a mesma faculdade. A essa altura, eram celebridades no país, de tanto aparecerem em programas de TV para contar sua história.

Bobby, Eddie e David abriram um restaurante chamado Triplets (Trigémeos) para capitalizar o enorme interesse por eles.

Mas foi trabalhando juntos que as diferenças entre eles começaram a vir à tona. Após vários desentendimento, Bobby resolveu sair do negócio do restaurante.

As relações ficaram tensas. Eddie, que enfrentava problemas de saúde mental, entrou numa profunda fase de depressão e, em 1995, suicidou-se.

Quando souberam da existência dos irmãos biológicos de seus filhos, a primeira reação dos pais adotivos de Bobby, David e Eddie foi de partilhar do entusiasmo deles. Mas depois foram pedir satisfações à agência de adoção. Queriam saber porque não tinham sido avisados de que o seu bebé tinha dois irmãos gémeos.

E a razão dada para a separação foi de que teria sido muito mais difícil conseguir achar uma família disposta a adotar os três irmãos.

Nessa época, os três casais já tinham adotado uma criança — uma filha em cada caso. Estavam a aguardar a oportunidade de adotar mais um bebé, e quando ela apareceu, cerca de dois anos e meio depois, veio associada à uma condição: a de que o bebé precisaria de ser acompanhado e observado, como parte de um estudo sobre o desenvolvimento de crianças adotadas.

Os pais aceitaram a condição e as suas residências passaram a receber visitas periódicas de investigadores que conduziam uma série de testes.

“Éramos filmados a fazer testes com objetos, letras ou números, ou recitar frases de trás pra frente”, recorda Bobby. “Depois, éramos filmados a fazer coisas que queríamos fazer, seja andar de bicicleta, de patins, o que fosse. Depois, de novo, colocavam-nos para resolver quebra-cabeças, testes e responder perguntas sobre vários assuntos.”

Essas visitas duraram até os meninos completarem 10 anos de idade, e o estudo teria caído no esquecimento, não fosse uma descoberta feita, bem mais tarde, por um jornalista chamado Lawrence Wright.

Numa apuração sobre estudos com gémeos, Wright encontrou um artigo científico que fazia uma referência a um estudo secreto no qual irmãos idênticos tinham sido separados logo após o nascimento como parte de uma experiência científica.

Pouco após a morte de Eddie, quando David e Bobby tentavam consertar a sua relação, foram procurados por Wright, que os colocou a par das suas descobertas.

Descobriu que Bobby, David e Eddie tinham sido separados para que pudessem ser estudados. Eram bebés idênticos colocados em famílias de diferentes classes e rendimentos como forma de pesquisar o peso da genética e do meio ambiente na forma como cada um se desenvolvia.

O estudo foi dirigido por um psicanalista de origem austríaca chamado Peter Neubauer. Ele e a sua equipa monitorizavam os jovens ao longo dos anos sem nunca revelar às famílias os motivos reais da investigação.

“Sabíamos que fomos tratados como ratos de laboratório“, disse Bobby. “Mas agora ficamos a saber o nome das pessoas que fizeram isso.”

Para ambos, também começaram a fazer sentido algumas das memórias da infância e de coisas que seus pais lhes contaram sobre o comportamento deles quando eram pequenos.

“Todos nós tivemos problemas na mesma época quando éramos bebés”, relatou David. “Batíamos as nossas cabeças contra o berço, tínhamos um comportamento agressivo para uma criança.”

“E quando as nossas mães se reuniram pela primeira vez e começaram a falar sobre como nós éramos quando bebés e crianças, elas viram que tínhamos esse mesmo comportamento. Os nossos pais tinham consultado pediatras para tentar saber porque tínhamos esse tipo de comportamento. Isso sem saber que éramos gémeos separados e que poderíamos estar a sofrer de ansiedade de separação.”

Não se sabe ao certo quantas crianças estiveram envolvidas no estudo de Neubauer, mas pelo menos quatro pares de gémeos idênticos que fizeram parte dele foram identificados.

Todos tinham sido adotados pela mesma agência de Nova Iorque, a agora extinta Louise Wise Services.

Peter Neubauer morreu em 2008. Quanto aos dados recolhidos sobre as crianças, eles nunca foram publicados e todos os documentos relacionados ao estudo estão trancados na Universidade de Yale e selados para serem abertos só no ano de 2065.

Bobby e David lamentam que não saberão se o estudo produziu algum tipo de conhecimento científico.

“Seria bom saber se algumas conclusões fossem úteis. Para que tudo isso não tivesse sido em vão. Se produzisse alguma coisa que ajudasse crianças que precisam de ajuda adicional a obter essa ajuda. Gostaríamos de ver algo positivo sair disso”, disse Bobby à BBC.

Em 2019, foi lançado um documentário contando a extraordinária história deles, chamado Three Identical Strangers (‘Três Estranhos Idênticos’), dirigido por Tim Wardle.

ZAP // BBC

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