“Levanta-te, mamã”. Guerra entre polícia e ativistas já ceifou 30 vidas em Angola. “Não são balas perdidas”

AMPE ROGÉRIO/LUSA

Mubiala Victor, irmão da vitima Silvi Mubiala, 33 anos, que saiu de casa na terça-feira para socorrer o filho, perdido no meio dos distúrbios na Caop B – bairro de Viana, na periferia da capital angolana -, causou e ainda causa choque entre a população local que acusa agentes da Polícia de Intervenção Rápida (PIR) de serem os autores dos disparos.

Greve de taxistas transformou-se em catástrofe em apenas três dias. Morte de mãe à frente do filho chocou o país e ainda vai correr muita tinta.

O que começou como uma greve de taxistas passou a tumultos e violência generalizada em Angola e já fez 30 mortos e 277 feridos nos últimos três dias em várias províncias, segundo o  último balanço provisório da Polícia angolana.

O ponto da situação apresentado esta quinta-feira pelo porta-voz da Polícia Nacional de Angola, subcomissário Mateus Rodrigues, adianta que até à presente data foram detidas 1.515 pessoas, bem como destruídos 118 estabelecimentos comerciais, 24 autocarros públicos, mais de 20 veículos particulares, cinco viaturas das forças de defesa e segurança, uma motorizada e uma ambulância.

Vandalizaram tudo“, confessou à SIC Notícias o comerciante António Bumba, dono de dois bares, uma estalagem, um restaurante, um salão de festas e uma loja, cujos 19 funcionários ficaram agora sem trabalho.

A justiça angolana já começou a julgar e a condenar centenas de jovens implicados nos atos de vandalismo e pilhagens. A Ordem dos Advogados de Angola (OAA) está a ser mobilizada para garantir julgamentos justos aos mais de mil cidadãos detidos.

Mateus Rodrigues assegurou que os casos que resultaram em mortes “estão a merecer a devida investigação das autoridades para aferir as circunstâncias em que ocorreram”, destacando que entre o número de feridos apurados, dez são das forças de defesa a segurança.

De segunda a terça-feira foi registada uma paralisação dos serviços de táxis, convocada por associações e cooperativas de táxis, em protesto à subida do preço dos combustíveis e das tarifas de transportes públicos, que os cidadãos consideram muito elevados.

Foram registados atos de vandalismo, violência e de arruaça durante o período de greve dos taxistas em várias províncias angolanas.

“Não são balas perdidas”

AMPE ROGÉRIO/LUSA

“Queremos justiça” é o grito que ecoa entre familiares e vizinhos da mulher morta por disparos da polícia num bairro pobre de Luanda, durante os tumultos dos últimos dias, deixando viúvo e órfãos desolados clamando por ajuda.

Ana Silvi Mubiala foi morta à frente do filho por uma bala da UIR durante os protestos em Luanda. Não estava armada — o único “crime” que cometeu foi sair de casa para comprar Omo, num dia em que a polícia decidiu, indiscriminadamente, regar o povo com balas.

“Life is short, don’t be lazy”, ou seja, “a vida é curta, não sejas preguiçoso”, dizia ironicamente a t-shirt que o filho vestia quando viu a mãe morrer, atingida por uma bala raivosa da Unidade de Intervenção Rápida (UIR). Ana Silvi Mubiala era mãe de quatro filhos, o mais novo com apenas sete meses. Vendia na rua para sustentar a família. Foi a cuidar dos seus, nas tarefas domésticas, que acabou brutalmente assassinada.

Em declarações à Rádio Despertar, o filho de Ana Silvi conta que, naquele dia, “saiu com a mãe para comprar Omo”, quando “viram muitas pessoas a fugir”.

“Eu e a minha mãe fugimos. Ouvi um tiro a bater a primeira vez, depois veio o segundo e a minha mãe caiu”, relata.

O adolescente ainda implorou: “Levanta-te, mamã”, mas Ana já tinha caído para sempre. Tentava proteger o filho dos disparos quando foi atingida pelas costas — um trauma que, certamente, acompanhará o rapaz até ao fim dos seus dias.

Os críticos do regime não olham para a barbárie policial como um simples incidente. À DW, a ativista Laura Macedo diz não serem “balas perdidas”.

“São balas intencionais”, garante.

A polícia, que não reagiu de imediato, afirmou esta quinta-feira  que a mulher morta era uma cidadã estrangeira, “provavelmente em situação migratória irregular em Angola”, e que integrava grupos envolvidos em pilhagens, roubos e desordens na via pública.

O comandante-geral da polícia, Francisco da Silva, afastou responsabilidades: “Quando aquele grupo tentou insurgir-se contra os agentes, claro que a integridade física do agente deve ser salvaguardada em primeiro lugar. E nesta situação, foi neutralizada. Infelizmente faleceu. Lamentamos a morte, mas o agente teve de proteger-se e preservar a autoridade do Estado”, declarou.

Polícia diz que tudo voltou ao normal

Segundo Mateus Rodrigues, a situação caracteriza-se como estável, calma, com o regresso à normalidade, circulação nas vias, sem o registo de nenhum incidente de realce.

Regressou-se à vida normal”, disse a fonte, repudiando os atos assistidos nas províncias de Luanda, Benguela, Icolo e Bengo, Bengo, Huíla, Malanje, Huambo e Lunda Norte.

O porta-voz da Polícia angolana manifestou preocupação das autoridades com informações que circulam nas redes sociais, com a partilha de informações de violência, de incidentes ocorridos nos primeiros dias desta situação, como se estivessem a ocorrer no momento.

A fonte desmentiu também uma alegada declaração de recolher obrigatório, supostamente emitida pelas autoridades angolanas, salientando que as forças continuam nas ruas a desenvolver o trabalho de manutenção da ordem “e prontas para respostas em caso de mais alguma situação de alteração da ordem”.

ZAP // Lusa

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