A história da “jangada do sexo”, uma das experiências mais estranhas de todos os tempos

Tripulação da experiência conhecida como “jangada do sexo”

O antropólogo espanhol-mexicano Santiago Genovés estava a voar para a Cidade do México, onde vivia desde os 15 anos, quando chegou ao país como refugiado da Guerra Civil Espanhola.

Tinha embarcado na cidade de Monterrey, após participar numa conferência sobre a história da violência, quando de repente um grupo assumiu o controlo da aeronave, exigindo a libertação de alguns companheiros.

Era bom demais para ser verdade… Imagina a ironia. Eu, um cientista que passou a carreira toda a estudar comportamento violento, acabar dentro de um avião sequestrado”, escreveu depois Genovés, uma das grandes referências mundiais em antropologia física, doutor em antropologia pela Universidade de Cambridge, no Reino Unido, que dava aulas na Universidade Autónoma do México.

O sequestro inspirou o investigador a criar uma situação semelhante, que serviria como laboratório para estudar o comportamento humano.

Casa na água

Com o mar como meio isolante perfeito, o antropólogo encarregou-se de preparar a sua experiência.

“Graças a testes com animais em laboratório sabemos que a agressão pode ser desencadeada colocando diferentes tipos de ratos num espaço limitado. Quero descobrir se acontece o mesmo com os seres humanos.”

O antropólogo mandou construir então um barco de 12 x 7 metros com uma pequena vela. A cabine media 4 x 3,7 metros, com “espaço apenas para o corpo de cada um, deitado. Não dá para ficar em pé“, escreveu na Revista de la Universidad de México, em 1974.

E tanto o chuveiro quanto a sanita ficavam ao ar livre, à vista dos colegas de tripulação. Ele apelidou a jangada de Acali, que na língua náuatle significa “casa na água”.

Nela, embarcariam 10 pessoas para fazer uma viagem que duraria 101 dias, sem motor, eletricidade, tampouco “barcos a acompanhar, ou possibilidade de recuar”.

“Dez bravos desconhecidos”

Para encontrar voluntários, Genovés publicou um anúncio em vários jornais internacionais – centenas de pessoas responderam.

Escolheu quatro homens e seis mulheres – sendo apenas quatro deles solteiros e quase todos com filhos, de diferentes nacionalidades, religiões e contextos sociais, selecionados “para criar tensões no grupo“.

Entre eles, estava a capitã: a sueca Maria Björnstam, solteira, de 30 anos, a quem Genovés convidou para ser “a primeira mulher do mundo a ser nomeada capitão de uma embarcação”.

Não foi a única mulher a quem ele designou uma função dominante. Genovés decidiu dar papéis importantes a todas elas, deixando para os homens tarefas insignificantes.

“Pergunto-me se dar poder às mulheres levará a menos violência. Ou se haverá mais”, escreveu.

A 13 de maio de 1973, a jangada Acali saiu de Las Palmas, nas Ilhas Canárias, sendo lançada em alto mar como uma ilha a flutuar preguiçosamente em direção ao seu destino: a ilha mexicana de Cozumel.

Sexo dentro e fora

Junto com Acali também zarpou a imaginação da opinião pública, instigada pela imprensa.

Apesar de não contar com as câmeras que anos depois mostrariam todos os detalhes de situações semelhantes em reality shows, os meios de comunicação aproveitaram para criar histórias mirabolantes baseadas nos poucos minutos de contacto de rádio com a embarcação.

Os jornais estampavam manchetes como “As orgias na jangada do amor” ou “O segredo da jangada do amor” – que falava sobre um suposto código secreto de rádio, para o caso de haver alguma emergência na “jangada da paixão”. Foram publicados artigos dedicados, inclusive, ao facto de a capitã usar biquíni, o que fez com que o projeto de Genovés começasse a ser conhecido como “a jangada do sexo”.

E, embora a realidade a bordo não fosse como os jornais pintavam, as relações sexuais estavam muito presentes no menu de experiências preparado pelo antropólogo.

“Estudos científicos com macacos mostraram que existe uma conexão entre violência e sexualidade, onde a maioria dos conflitos entre machos é consequência da disponibilidade de fêmeas que estão a ovular.”

“Para verificar se acontece o mesmo entre os seres humanos, selecionei participantes sexualmente atraentes. E como o sexo está ligado à culpa e à vergonha, coloquei entre eles Bernardo, um padre católico de Angola, para ver o que acontece.”

Na embarcação, embora vários membros da tripulação tenham tido relações sexuais, esse aspeto do comportamento humano não gerou tensões ou hostilidades dignas de nota – a não ser que tivesse em conta o desconforto sentido pelos participantes quando descobriram, no fim da viagem, a narrativa lasciva dos tabloides.

O observador observado

No entanto, o sexo era apenas uma das facetas de uma experiência cujos objetivos eram considerados mais elevados – como o próprio Genovés confirmou ao ser questionado pela capitã Maria perante o grupo:

“Eu disse-lhes que queria descobrir como criar a paz na Terra.”

Para alcançar este feito, era essencial entender a agressividade dos seres humanos.

No entanto, com o passar dos dias, o único indício de comportamento violento que se manifestou naquele laboratório flutuante foi diante de um tubarão – “para minha grande surpresa, não houve ciúme sexual, tampouco conflitos entre os participantes”.

Após 51 dias de convivência, Genovés escreveu frustrado:

“Ninguém parece lembrar que estamos aqui a tentar encontrar uma resposta para a questão mais importante do nosso tempo: Podemos viver sem guerras?

Demoreou um tempo até perceber que os seus métodos estavam efetivamente surtindo efeito: causar irritação, provocar animosidade e despertar agressividade. Mas, surpreendentemente, não da maneira que tinha imaginado.

“Dei conta que o único que tinha mostrado qualquer tipo de agressividade ou violência na balsa tinha sido eu.”

E não foi só isso. Também foi o único alvo dos sentimentos sombrios dos outros.

“Assassinato”

Na sua ânsia de proteger o projeto, Genovés acabou se comportando como “um ditador”, segundo Björnstam, ao ponto de em determinado momento assumir o comando e se declarar capitão.

“Era difícil suportar a sua violência psicológica“, acrescentou o japonês Eisuke Yamaki.

Os participantes imaginaram várias estratégias: desde atirá-lo “acidentalmente” ao mar até injetar drogas que causariam uma paragem cardíaca – “com a mão de todos a segurar a seringa”.

Mas nada grave aconteceu.

Os problemas com Genovés foram resolvidos diplomaticamente, assim como todas as outras desavenças que tiveram durante a viagem.

Quando a balsa chegou ao México, todos que estavam a bordo – incluindo Genovés – foram mantidos isolados por uma semana e submetidos a uma série de exames com psiquiatras, psicólogos e médicos.

O antropólogo passou por momentos difíceis durante os exames e, depois, com as críticas que foram feitas à experiência. Mas seguiu em frente com a sua carreira de prestígio como antropólogo físico, com as suas aventuras flutuantes (mais tarde, navegou sozinho para se “conhecer a si mesmo”) e a sua farta produção de artigos e livros, entre várias outras coisas.

Para os voluntários, a viagem começou e terminou como uma aventura. Apesar de terem vivido alguns momentos difíceis, não havia desavenças no grupo, muito pelo contrário, e criaram um vínculo que se mantém até hoje.

ZAP // BBC

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